Na Venezuela, elas deixaram família e trabalho e nas ruas de Manaus, usam agora o sexo como sustento
Sem trabalho, sem dinheiro, sem esperança. A vida em Manaus é bem diferente do que as venezuelanas esperavam. Para conseguir dinheiro para alimentar os filhos, muitas delas vendem a única coisa que ainda resta, o próprio corpo.
Este é o caso da atendente Jéssica (nome fictício), de 25 anos. A crise econômica atingiu seu país e ela ficou sem ter como sustentar seu filho, de sete anos. Há dois anos, ela e a família decidiram vir para o Brasil em busca de novas oportunidades. Ela começou sua trajetória em Boa Vista e está há um ano em Manaus. Sem perspectiva de atuar no mesmo ramo que trabalhava na Venezuela, acabou entrando na prostituição.
A saída: Prostituição
“Às vezes não tenho nenhum cliente, às vezes tenho quatro”, conta. Jéssica trabalha 10h por dia e o filho fica sob os cuidados de uma prima, para ela, estar nesta condição a incomoda e que gostaria de trabalhar em uma escola, ou em uma panificadora, fazendo o mesmo que fazia em seu país.
Outra mulher que se encontra na mesma situação é Albani, 30. Ela trabalhava em um garimpo, na Venezuela e está há apenas um mês no Brasil. Ficou três semanas em Rorainópolis (RR) e há uma semana chegou em Manaus, na companhia de uma amiga.
No seu país de origem deixou três filhos, um de 15, outro 12 e outro de três anos de idade que estão aos cuidados da irmã.
Albani afirma sentir muita falta da família, mas disse que nesse momento não voltaria para lá, o objetivo é arranjar um emprego para sair da prostituição, em média, ela faz três programas diários, no valor de R$ 40.
A administradora Alana tem 24 anos e está há dois meses no Brasil. Ana veio por conta de situações econômicas complicadas, a empresa onde trabalhava fechou. A jovem tem uma filha de um ano, que está na Venezuela aos cuidados de sua mãe. Sua família depende dos recursos que ela envia de Manaus. A maior preocupação de Ana é com sua filha, que está doente e não tem medicamentos. Uma vez por semana, Ana usa o celular da amiga para falar com a família.
Alana não se prostitui, mas não descarta esta possibilidade, ela e sua família necessitam muito e fará o que for preciso para ajudar a filha, desempregada, ela afirma que todos os dias recebe propostas para fazer programa, apesar disso, assegura que ainda não cedeu.
Caio, profissional da área de eventos, foi surpreendido por uma situação inusitada. O empresário foi buscar uma encomenda no bairro Centro. Ao estacionar teve o carro “invadido” por uma jovem prostituta venezuelana. Ele informou que ela era branca e aparentava ter 16 anos. A moça confundiu uma buzinada para um guardador de carros com um convite para entrar.
“Eu tenho duas filhas, quando eu a vi, lembrei logo delas”, relata. No início, Caio pensou se tratar de um assalto, mas ficou surpreso quando a moça lhe ofereceu seus serviços por R$ 30 em um motel que estava a poucos metros dali, “ela parecida estar com fome, foi super educada e falava bem português, apesar do sotaque”.
Ele relata que a moça ficou com muita vergonha ao perceber o equívoco, mas ao sair do carro, logo entrou em um táxi. O guardador de carros disse para Caio que há meninas de todas as idades se prostituindo por ali, principalmente nos fins de semana, quando precisavam de dinheiro.
A representante da Associação das Prostitutas e Ex- Prostitutas do Amazonas (As Amazonas), grupo que se dedica a amparar e orientar as chamadas “profissionais do sexo”, Ana Barata, informou que não foram procuradas pelas venezuelanas. A instituição está parada por conta de uma reformulação na diretoria.
Por meio de sua assessoria de comunicação, a Acnur afirmou por telefone a um portal de notícias da ciadde, que não comenta casos individuais, uma vez que estes dizem respeito à segurança da pessoa que solicitou refúgio, se encaixando, portanto, em uma informação confidencial, a instituição também não apoia que seja dada maior visibilidade a estas questões, tendo em vista que as pessoas envolvidas estão em situação de vulnerabilidade e precisam de proteção.
Dificuldade para arranjar emprego formal
Aproximadamente 4 milhões de venezuelanos já saíram do seu país desde 2015, tornando essa uma das mais recentes e maiores crises de deslocamento forçado no mundo, de acordo com a ONU, a forte crise enfrentada no governo Nicolás Maduro traz, em média, 500 venezuelanos por dia ao Brasil, via Roraima.
Outros 14% dos imigrantes recorreram à mendicância durante a fuga e 2% apelaram ao “sexo de sobrevivência”, de acordo com dados divulgados pela agência da ONU para refugiados (Acnur), com base em milhares de entrevistas em oito países da região: Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina, Uruguai, Brasil e República Dominicana.
Em Manaus, os venezuelanos enfrentam dificuldade para se inserir no mercado de trabalho. Fazendo com que algumas mulheres recorram à prostituição.
Prostituição no Brasil
Vale lembrar que no Brasil, a prostituição não possui restrições legais enquanto praticada por adultos. De acordo com a Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), calcula-se que o Brasil tenha cerca de 1,5 milhões de pessoas, entre homens e mulheres que vivem em situação de prostituição, a pesquisa revela que 28% das mulheres estão desempregadas e 55% necessitam ganhar mais para ajudar no sustento da família.
A maioria das prostitutas brasileiras tem de 20 a 29 anos (46,3%), primeiro grau incompleto (67%), de um a quatro anos de profissão (47%) e ganha de um a dois salários mínimos por mês (36%), de acordo com pesquisa feita pela Universidade de Brasília.
Operação Acolhida
Todos os dias, a Cáritas Arquidiocesana de Manaus atende uma média de 100 venezuelanos, segundo o agente Caritas Afonso Brito, a expectativa é que a Operação Acolhida dê suporte à instituição para trabalhar com venezuelanos, de acordo com informações divulgadas pela Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), a operação já está em vigor desde junho deste ano, com a proposta de organizar a área da rodoviária, criar um posto de triagem e informação, banheiros e lavanderia, para que este público seja atendido.
A iniciativa é um trabalho integrado entre Forças Armadas, Estado, município, e agências internacionais como Organização Internacional para as Migrações (OIM), Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O diácono Afonso de Oliveira Brito, agente e secretário-executivo Cáritas Arquidiocesana de Manaus informou que a instituição oferece um atendimento inicial a fim de identificar as necessidades destes.
A partir desta primeira triagem. A Cáritas oferece aos venezuelanos suporte em saúde, documentação, cursos profissionalizantes. E encaminha para aluguel social se houver necessidade. Os imigrantes também são orientados para saber reagir em casos de exploração sexual e violência. Entre os cursos oferecidos estão o de português e áreas de gastronomia e beleza.
Fonte: O Tempo