Manaus/AM – Em decisão colegiada, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) derrubou o recurso da Prefeitura de Manaus que buscava impedir o ensino sobre diversidade nas escolas públicas municipais descritas na resolução N° 091/2020 e respaldadas pela Constituição Federal de 1988.
O acórdão assinado pela relatora Onilza Abreu Gerth, do dia 8 de julho, suspende a resolução N° 054/2021 que interrompia a continuidade do ensino de diversidade, nas escolas, até que seja ampliado o debate para implementação na grade curricular e, agora, retorna à pauta para o currículo escolar conforme a decisão interlocutória do juiz Cássio André Borges dos Santos de março de 2021.
“(…) perante o demonstrado, determino a manutenção da decisão Interlocutória em sua integralidade, devendo-se garantir a implementação de alterações estruturais no Sistema Municipal de Ensino, a fim de garantir o debate sobre assuntos de étnica-racial, diversidade sexual e de gênero“, consta o documento.
Esperança e democracia
A advogada Luciana dos Santos Silva, representante da Associação Nossa Senhora da Conceição, responsável, junto com a Associação de Desenvolvimento Sociocultural Toy Badé (ATB), pelo pedido de ensino de diversidade, nas unidades de ensino, disse à REVISTA CENARIUM que, no momento, aguarda a finalização do processo, após a sentença da ação principal. A integrante do Movimento Negro, no Amazonas, recebe a notícia do acórdão com entusiasmo.
“O que posso dizer é que a gente recebeu com muita alegria esse acórdão, que nunca duvidamos de que prevaleceria o que prevê a Legislação Federal e a Constituição. E que em tempos de tantos retrocessos, ver a garantia de direitos ocorrer é motivo de comemoração e de esperança de um País, verdadeiramente, democrático”, celebra a advogada.
Retrocesso
O colegiado afirma que a resolução N° 054/2021, impetrada pela Prefeitura de Manaus, representa um retrocesso na discussão sobre pautas de diversidade e é um obstáculo ao exercício do direito à livre-docência. O relatório do colegiado ainda aponta que o município deve garantir a efetiva inclusão dos temas na grade curricular da educação básica, visto que a Secretaria Municipal de Educação já desenvolve, há quase 18 anos, trabalhos voltados à formação de professores em relação às pautas.
O texto destaca ainda que a suspensão do ensino da diversidade e questões étnico-raciais, nas escolas municipais de Manaus, “resulta na interrupção da continuidade do desenvolvimento de ações afirmativas para a educação“. Além disso, a relatora Onilza Abreu Gerth atenta para a abrangência da educação no processo de formação do cidadão.
“A Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (Lei N° 9.394/96) estabelece que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais“, relata.
Linha do tempo
Ao longo de 2020 e 2021, as tentativas de inclusão do ensino da diversidade sexual, étnico-racial, religiosa e de gênero, nas escolas municipais de Manaus, se tornou alvo de sucessivas perseguições e críticas que levaram o debate da sala de aula até o Supremo Tribunal Federal (STF).
A maioria das contestações geradas por vereadores da bancada evangélica da Câmara Municipal de Manaus (CMM) culminaram em um processo que, por tramitar na Justiça, impediu a continuidade do ensino diverso nas escolas manauaras.
A Resolução 091/2020 do Conselho Municipal de Educação (CME), órgão vinculado à Secretaria Municipal de Educação (Semed), aprovada em 29 de dezembro de 2020 e publicada em 13 de janeiro de 2021, no Diário Oficial do Município (DOM) foi vista com maus olhos pelos políticos tidos como cristãos, dentre eles Raiff Matos (DC) e Marcel Alexandre (Podemos), que se tornaram os principais opositores da resolução.
Quase três meses após a aprovação, mais precisamente no dia 16 de março do ano passado, em uma nova publicação do Conselho de Educação, no DOM, suspendeu por meio da Resolução N° 054 os efeitos da Resolução N° 091/2020.
À época, Marcel Alexandre, que também é apóstolo do Ministério Internacional da Restauração (MIR), na capital amazonense, contou com a assinatura de 23 dos 41 vereadores da Casa Municipal. Já Raiff Matos atuou como relator; o vereador, além de cantor gospel, é integrante da Frente Parlamentar em Defesa da Família e dos Valores Cristãos (Fepacri) na CMM.
Raiff Matos, autor do requerimento que resultou na suspensão dos estudos sobre as relações étnico-raciais, religiosa e de gênero, declarou ser “contrário” aos termos da resolução por, segundo ele, considerar “o assunto delicado para ser transmitido aos estudantes”.
Em discurso na CMM, o vereador ressaltou que os movimentos favoráveis ao ensino diversificado seriam uma tentativa de silenciar o conceito de família defendido por ele. “Eu vim para cá para defender a família, os princípios básicos do conservadorismo familiar”, iniciou Matos. “Estão querendo colocar uma ‘mordaça’ nos pais, nas famílias, que são os tutores das crianças”, declarou o vereador.
Três dias depois da publicação, uma nota de repúdio coletiva sobre a revogação da Resolução Municipal foi publicada nas redes sociais de movimentos coletivos e instituições que endossaram o documento. Entre eles, de causas LGBTQIAP+ do Amazonas, como o Casa Miga: “Esse é nosso Norte”; Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE); Movimento de Mulheres Negras da Floresta (Dandara); e Associação de Desenvolvimento Sociocultural Toy Badé foram algumas das inúmeras assinaturas presentes na nota.
É preciso que se barre, em todos os âmbitos, o projeto político da retirada de defesa e proteção de grupos minoritários que são desprezados pelo poder público em nosso País” destaca um trecho do manifesto coletivo.
Inconstitucionalidade
O STF, em 2020, considerou inconstitucional a medida da Prefeitura de Manaus de impedir o ensino da temática diversidade nas escolas. A decisão já havia sido barrada pela Justiça do Amazonas, no dia 21 de março. O juiz plantonista Cássio André Borges dos Santos, responsável pela decisão, concedeu uma liminar que revogou a Resolução 054/2021 do Conselho de Educação.
À época, o magistrado considerou o pedido de duas instituições não governamentais, a Associação de Desenvolvimento Sociocultural Toy Badé (ATB), representada pela advogada Ana Carolina Amaral de Messias, e a Associação Nossa Senhora da Conceição, que tem como representante a advogada Luciana dos Santos Silva.
Na petição contra a Semed, as advogadas se embasaram, principalmente, em dois instrumentos: a Constituição Federal (art. 206, II e III, CF/88) e a jurisprudência do STF sobre Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF no 457).
‘Fico indignado’
Ouvido pela CENARIUM em dezembro de 2021, o vereador Raiff Matos mudou as nuances do discurso, perante a pauta, afirmando não ser contrário à inclusão dos estudos, mas “enquanto cidadão e vereador não poderia se calar perante o assunto”. Procurado nesta terça-feira, 12, para saber qual o posicionamento diante do desdobramento do tema, o vereador disse estar “indignado” e que uma criança ainda não tem maturidade para lidar com questões ligadas à sexualidade.
“Essa decisão me deixa indignado. Nossas crianças precisam de liberdade para crescer e se desenvolver. Quando uma criança comete um crime, ela é considerada inimputável diante da sua condição especial em decorrência da idade e de seu desenvolvimento cerebral e cognitivo. (…) Principalmente, quando toda a questão ligada a gênero está carregada, hoje, de viés ideológico que torna o tema ainda mais inacessível para sua idade”, declarou o vereador que insiste em afirmar sobre a falta de preparo dos profissionais de educação para com a matéria.
“Tenho atuado como defensor da família, buscando preservar as crianças da influência da mídia, de modismos e de uma suposta cultura progressista que tenta modificar as bases da educação familiar. Muitas famílias têm uma percepção de que as escolas estão se tornando perigosas para seus filhos. Não há nenhuma segurança sobre como esse tema será tratado pelos professores.”
Raiff declara que vai continuar lutando para que, segundo ele, as crianças não sejam induzidas ou influenciadas por “modismo ou comportamento de manada”. “Sei que muitas famílias irão ficar revoltadas com essa decisão da Justiça. Mas, vou continuar na luta para que as escolas sejam seguras para as famílias. Para que as crianças não sejam induzidas a adotar comportamentos que elas ainda não têm maturidade para compreender. Acredito que o tema sexualidade deve ser tratado com todo cuidado pelos pais, para uma formação saudável de seus filhos, sem a influência de modismos ou do comportamento de manada que a mídia tenta introduzir como preponderante quando, na verdade, é o pensamento de uma minoria“, declarou o vereador.
Com informações da Agência Amazônia