Redação – Centenas de pessoas participaram da segunda edição da Marcha para Exu, realizada no Centro de Manaus neste sábado, 14, destacando a resistência e a valorização das religiões de matriz africana. Com o tema “Exu não é Satanás”, a programação, iniciada às 15h30, incluiu um cortejo que percorreu as avenidas Sete de Setembro e Eduardo Ribeiro, seguindo até o Largo de São Sebastião.
O evento prestou homenagens a entidades como Exu, Legbá, Pambu Njila, Exus Catiços e Pomba Giras, ressaltando a importância cultural e espiritual dessas figuras nas tradições afro-brasileiras e no combate à intolerância religiosa.
A programação teve início na Praça da Polícia com um “padê”, cerimônia tradicional que inclui a oferta de alimentos e bebidas como farinha macerada com dendê, cachaça e champanhe. Este momento de concentração serviu para saudações e agradecimentos ao orixá Exu, com a tradicional expressão “Laroyê Exu!” solicitando proteção e abertura de caminhos. Muitos participantes estavam vestidos com trajes representativos de Catiços e Pomba Gira e exibiam faixas com mensagens contra a estereotipação negativa da entidade.
Ao final do cortejo, o público se reuniu nos arredores do Teatro Amazonas para celebrar com danças e pontos típicos da matriz africana. O evento também incluiu um concurso de trajes, com premiações. Além disso, foi realizada uma homenagem póstuma à Ialorixá Nonata Corrêa, conhecida como ‘Mãe Nonata’, uma das mais renomadas líderes religiosas de Manaus. A cerimônia ressaltou a importância de Nonata e seu legado na preservação e promoção das religiões de matriz africana.
Xɛ́byosɔnɔ̀ Ọba Méjì Jorge Alberto Silva explicou que a marcha serve como um espaço de inclusão para grupos frequentemente marginalizados devido à demonização do orixá Exu. “Essa é uma festa do povo de Axé de Manaus, especialmente daqueles que cultuam Catiço e Exu, grupos historicamente excluídos de solenidades e festivais. Eles são parte essencial da cultura popular, étnica e religiosa”, afirmou Jorge.
Pai Alberto Jorge criticou a imposição de estigmas negativos sobre figuras sagradas africanas que, segundo ele, foram assimiladas de tradições hebraico-cristãs e europeias, distorcendo o verdadeiro significado cultural e espiritual dos orixás. “Vestir-se de preto e vermelho tem um significado profundo para nós, ligado à criação do mundo e à sacralidade ancestral“, explicou Jorge.
Como coordenador técnico do evento, Alberto destacou que a realização próxima ao Teatro Amazonas, um ícone cultural da região, é uma forma de reafirmar a presença e a importância dos cultos afro-brasileiros na cultura popular. Ele também ressaltou seu compromisso com o futuro das novas gerações, defendendo que elas devem crescer dentro da cultura afro-brasileira, livres de preconceitos e exclusões.
Pai Belmiro de Oxóssi ressaltou que as homenagens a Exu não só combatem a intolerância religiosa, mas também servem como um alerta sobre questões globais, como a crise climática. “Esta manifestação é uma oportunidade crucial para mostrar à população amazonense e ao Brasil que o Amazonas está engajado na luta contra a intolerância”, afirmou.
Ele explicou que Exu, considerado o ‘senhor da comunicação’, tem um papel fundamental como mensageiro entre o mundo terrestre (Aie) e o celestial (Orum). “Espero que esta caminhada traga muito axé, luz e força. Que Exu possa intervir para mitigar os danos das queimadas e proteger nossa terra, pois Exu é a benevolência e não a maldade“, disse Belmiro.
Organizada pela Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé (ATB), a marcha contou com o apoio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas, Manauscult e da Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT). O evento também contou com a participação de representantes e ativistas das áreas de educação, cultura, religiões e política.
O coordenador do Escritório do Ministério da Cultura do Amazonas, Ruan Otávio, destacou a importância da Marcha para Exu como um marco para Manaus. “Eventos como este são essenciais para reafirmar o valor das religiões de matriz africana e devem se repetir, ganhando mais adesões tanto da população religiosa quanto da população geral. Este também é um grito contra a intolerância religiosa em nossa cidade“, afirmou Otávio.
A representante da Associação Palestina e ativista contra a intolerância religiosa, Rita Al Qamar, enfatizou que o evento promove a união de esforços na luta contra a discriminação e a violência religiosa. “Vivemos em um país marcado pela pluralidade linguística, religiosa, étnica e racial, mas ainda enfrentamos altos índices de violência contra grupos minoritários”, afirmou Rita.
Ela também destacou que, além das agressões direcionadas às religiões de matriz africana, há casos de intolerância contra muçulmanos no Brasil. Rita defendeu a necessidade de um grito unificado contra a intolerância religiosa e pediu respeito para todas as crenças.
Reprodução Revista Cenarium