
Redação – O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula que um em cada dez brasileiros já chegou aos 65 anos, e que a expectativa de vida ao nascer no país já superou os 76. Esse cenário de envelhecimento da população, entretanto, não é igual para todos os grupos. Minorias sexuais e de gênero chegam à terceira idade com demandas específicas e vulnerabilidades, mas também com orgulho de suas próprias cores.
No Mês do Orgulho LGBTQIA+, especialistas no tema e ativistas alertam que os serviços de saúde e acolhimento têm um longo caminho a percorrer para que os processos de cuidado não se tornem mais uma forma de apagamento dessa comunidade.
“Envelhecer não é morrer, é viver cada dia mais. A morte não tem idade, e eu não vivo esperando por isso. Eu vivo cada dia, dentro do possível, para ser feliz”, define Dora Cudignola, ativista LGBTQIA+ de 72 anos. “Sou uma idosa lésbica e atrevida”, ela se apresenta.
Dora é presidente da associação EternamenteSOU, criada em 2017 em São Paulo para reunir e acolher idosos da comunidade LGBTQIA+, que se deparam com uma realidade de discriminação dentro da própria comunidade, solidão e invisibilidade na busca pelo sistema de saúde. O problema se agrava ainda mais quando essas pessoas precisam de acolhimento em instituições de longa permanência.
“Tanto o SUS como qualquer local voltado para a saúde deveria ter profissionais e médicos preparados para nos receber. Muitos não entendem ou não sabem como lidar. Mesmo com as dificuldades e demoras, o SUS ainda é o melhor lugar para a gente, mas os profissionais precisam saber como lidar“, afirma. “O meu desejo, não só meu como da EternamenteSOU, é que haja instituições de longa permanência para LGBTs, para não separar essas pessoas e, sim, tê-las em comunidade, juntas, envelhecidas, contando as suas histórias, felizes e que ela seja muito, muito acolhida“.
Enquanto esse lugar não existe, a EternamenteSOU tenta cumprir esse papel. A associação é uma forma de lutar contra a solidão, mas também de celebrar o envelhecimento como um processo da vida, conta ela. Para a ativista, envelhecer também depende de cada um se aceitar como “velho”.
“Com a idade, chegam as dores, as doenças, chegam nossos fracassos, e a gente vê por que não conquistamos tantas coisas. Mas tenho 72 anos e sou uma mulher feliz. É claro que tenho os meus problemas, mas eu amo a minha idade. Envelhecer não pode ser ficar com dó de você mesma, porque aí envelhecemos o corpo e a mente, e nossa mente precisa ser a melhor, é ela que nos ajuda a viver melhor”, celebra ela. “Nós, velhos, temos tesão, temos gozo na vida e nas relações, temos prazer em amar e ser amados”.
Demandas invisíveis
No último dia 26 de maio, o gerontologista Diego Felix Miguel divulgou nas redes sociais e veículos de imprensa o texto Carta Aberta à Sociedade Brasileira: Por uma Velhice Digna e Visível para as Pessoas LGBT+. Presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia em São Paulo, o médico comemora a escolha da longevidade como tema da Parada LGBT de São Paulo e avalia que o assunto é importante e urgente.
Um dos motivos é a necessidade de reivindicar junto ao Estado brasileiro a promoção de políticas públicas que não apenas reconheçam a diversidade sexual e de gênero, mas garantam segurança, cuidado e dignidade a essas pessoas idosas.
“A gente sabe que existem muitas pessoas idosas LGBT, mas não sabemos a quantidade e quais são as demandas reais dessas pessoas. Temos uma questão da rede de suporte social fragilizada dessas pessoas e temos uma invisibilidade das demandas reais por parte do poder público”, ressaltou em entrevista à Agência Brasil.
Entre os casos mais delicados estão os idosos LGBTQIA+ que precisam de cuidados em instituições de longa permanência, também chamados popularmente de abrigos e asilos. Se a capacitação dos profissionais dessas instituições já é um desafio para o cuidado da população em geral, o gerontologista sublinha que o tratamento às minorias é ainda mais difícil.
“São pessoas que tiveram uma história marcada por violência, deslegitimação e iniquidades de acesso. Na velhice, em nome de um cuidado digno, essas pessoas tendem a retornar para o armário [sufocar suas identidades]. Principalmente na fase final da vida, quando elas dependem daquele ambiente, dependem daqueles profissionais. Nós precisamos falar sobre isso, porque muitas pessoas idosas LGBT ou ou até não idosas se preocupam muito com como serão realizados esses cuidados no momento que elas necessitarem”.
Dados preliminares da pesquisa desenvolvida por Diego Félix sobre esse tema apresentados no último Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, neste ano, indicam evidências de baixa capacitação das equipes nessas instituições e corroboram o pleito de Dora de que é necessário criar instituições de longa permanência especializadas em acolher pessoas LGBTQIA+.
“Há muitas frentes que podem exercer essa reprodução do preconceito. Em relação à instituição, tem a questão dos valores morais, institucionais e de onde essa instituição foi fundada. Muitas dessas instituições, principalmente as filantrópicas, vêm de cunho religioso. Além disso, tem o desafio também dos profissionais e como essas pessoas lidam com esse cuidado, e como entendem sobre gênero e orientação sexual“.
As agressões contra idosos LGBTQIA+ podem vir até mesmo nas relações com as outras pessoas idosas residentes e também com suas famílias, acrescenta o gerontologista. “Os familiares da pessoa idosa LGBT podem aproveitam dessa condição de vulnerabilidade e determinar como que essa pessoa deve ser tratada ou cuidada. E até mesmo os familiares de outros residentes, que, por exemplo, podem dizer que não querem que seus familiares compartilhem quarto com essas pessoas. Isso é extremamente perverso, violento, e evidencia uma desigualdade de poder”.
Por esse motivo, o gerontologista defende que serviços específicos são necessários para garantir uma atenção qualificada e um ambiente seguro para as pessoas idosas LGBT de hoje, que demandam dessa atenção. Para o futuro, porém, ele defende a criação de políticas de cuidados de longa duração que considerem a diversidade das velhices.
“Passou da hora de estruturarmos serviços que sejam específicos para essa população. Até a gente conseguir avançar na equidade de acesso e na dignidade no atendimento, nós precisamos garantir que essas pessoas possam chegar vivas até lá. E, para chegarem vivas, elas precisam dispor, agora, de um cuidado de longa duração que seja acolhedor, que seja digno, que respeite a sua identidade e que respeite a história das pessoas idosas que demandam dessa atenção“.
Com informações da Agência Cenarium