
Redação – O advogado Silas Franco, que integra a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), afirmou à CENARIUM que entidade foi acionada após denúncias de que agentes da Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) praticaram violência física e psicológica contra alunos matriculados no 8º e 9º ano na Escola Estadual Juracy Batista Gomes, localizada na comunidade Mutirão, Zona Norte de Manaus. A OAB-AM promete acionar o Ministério Público Federal (MPF).
A denúncia chegou até a CENARIUM pela ativista Ana Beatriz Pinheiro, integrante do movimento Maloka Socialista. Familiares das vítimas e servidores da unidade de ensino confirmaram à reportagem, sob condição de anonimato, que o caso mais grave ocorreu na tarde de 25 de setembro, na quadra da escola.
De acordo com os relatos, os adolescentes foram retirados de sala de aula e levados até o espaço, onde foram obrigados a sentar no chão quente, sob forte sol, e submetidos a insultos e ameaças. Alguns alunos também tiveram o cabelo raspado à força, sob a justificativa de que não seguiam o “padrão de corte” imposto pela gestão escolar.
“O estopim de toda essa situação ocorreu quando colocaram os adolescentes na quadra, no sol quente da tarde, de cócoras, por três horas. Diziam que aquilo era para eles aprenderem, porque o futuro deles seria o presídio, que estavam determinados a serem marginais e bandidos”, confirmou o advogado Silas Franco.

O jurista disse que esteve no local e constatou o medo das famílias em denunciar formalmente. Segundo Franco, “as mães estão amedrontadas, porque os policiais envolvidos parecem ser ligados a milícias e são todos do bairro, conhecidos da comunidade. Há muito receio e, por isso, os relatos são feitos apenas em off”.
A OAB destaca que a Escola Juracy Batista Gomes não é cívico-militar, tampouco possui previsão de implantação nesse modelo. Ainda assim, práticas semelhantes a esse regime têm sido impostas na unidade de ensino. Um dos exemplos é a exigência de que os pais assinem um termo proibindo qualquer menção a temas relacionados à diversidade e à comunidade LGBTQIA+. “Se os filhos citarem algo do tipo, são expulsos da escola, não recebem nem advertência”, disse Franco.
O advogado relatou o caso de uma adolescente que se apresentava com traços masculinos e que, segundo ele, poderia estar iniciando um processo de transição de gênero. A estudante teria sido expulsa e submetida a tortura psicológica. Pouco tempo depois, foi vista em surto psicótico em um shopping, andando sem roupas.
Além disso, estudantes tiveram os cabelos cortados à força, sem aviso ou autorização dos pais. “Não houve aviso prévio, simplesmente chegaram no projeto e rasparam o cabelo. Um adolescente que tinha um corte identificado como de facção teve a cabeça raspada na hora. As identidades dessas crianças estão sendo suprimidas”, afirmou.
A situação levou até mesmo à prisão do avô de um dos alunos, que policial da reserva. O homem se revoltou ao ver o neto com marcas de agressões. O militar foi levado ao quartel, mas acabou liberado após a audiência de custódia. Um vídeo, obtido pela CENARIUM, mostra o momento em que um policial fardado agride o homem dentro da unidade de ensino.
Segundo Franco, os abusos fazem parte de um programa realizado com a presença de policiais militares na escola três vezes por semana. “É um projeto que, na prática, busca transformar as crianças em produto de reacionarismo, sem pensamento crítico”, avaliou.
Para enfrentar as violações, a OAB-AM afirma que já iniciou providências. “Estamos providenciando ofícios ao Ministério Público do Estado, ao Ministério Público Federal e também à Seduc. Além disso, orientamos as mães a se organizarem em um conselho de pais e mestres, um espaço democrático que pode dar respaldo às denúncias”, explicou Franco.
O processo tem encontrado barreiras dentro da própria comunidade. Muitas mães ainda resistem a se organizar, seja pelo medo de retaliações, seja pela influência religiosa e ideológica da gestão escolar. “O diretor manipula a mente dos pais, dizendo que tudo isso é marxismo, comunismo. Com isso, algumas mães acabam acreditando que o melhor para os filhos é justamente essa pressão da polícia”, contou o advogado.
Franco concluiu ressaltando que a Comissão seguirá monitorando os casos. “Estamos acompanhando de perto. Mas o medo é enorme e isso tem dificultado que as mães se unam para enfrentar os abusos”, completou o advogado.
Seduc e PM se manifestaram
Em nota, a Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar (SEDUC-AM) afirmou que no dia 25/09 “foi realizada uma ação social, com apoio da Polícia Militar do Amazonas (PMAM), por meio do Projeto Escola Segura, Aluno Cidadão (Pesac), com corte de cabelo para os alunos da unidade de ensino, mediante autorização dos pais ou responsáveis dos estudantes”.
Segundo a Secretaria, durante a ação, o responsável por um dos alunos, um policial militar aposentado, esteve na escola questionando a atividade e se desentendeu com os agentes que estavam no local, chegando a sacar uma arma de fogo, sendo contido em seguida. O mesmo precisou ser conduzido a uma delegacia, onde foi registrado um boletim de ocorrência pelos policiais militares por ameaça.
A Secretaria de Educação afirmou ainda que, ao tomar conhecimento das denúncias dos pais e responsáveis, abriu procedimentos administrativos para apurar a situação relatada. Segundo a SEDUC, a PMAM também vai apurar a conduta dos policiais militares envolvidos na ação.
Ainda segundo a nota, “tanto a Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar, quanto a Polícia Militar, reforçam que não compactuam com quaisquer atitudes que desrespeitem os direitos individuais dos estudantes e seus familiares e que, em se comprovando qualquer ato fora da legalidade, os responsáveis serão devidamente responsabilizados”.
Fonte: AGÊNCIA CENARIUM
