
Redação – MANAUS (AM) – Um estudo publicado em 2025 por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e de outras instituições alerta para os impactos da abertura de três rodovias estratégicas no Estado do Amazonas: a BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) e vem sendo alvo de projetos de pavimentação, além das estaduais AM-366 e AM-343. Outro documento divulgado em 30 de setembro, o Informativo nº 70 do Observatório BR-319 também alerta para o risco ambiental da rodovia.
Planejadas para cortar áreas hoje isoladas da floresta, essas estradas funcionariam como corredores de entrada para novas frentes de desmatamento e ocupação ilegal no chamado Trans-Purus, uma das maiores áreas contínuas de floresta preservada da Amazônia.
O estudo, divulgado na revista científica Regional Environmental Change, compara dois cenários: um “business-as-usual”, em que as rodovias são efetivamente construídas, e um cenário-base sem essas obras. A partir de mapas e simulações temporais até 2070, os pesquisadores projetam a dinâmica do avanço do desmatamento e identificam as áreas mais vulneráveis.

O modelo usado pelos autores – chamado “Trans-Purus” – foi desenvolvido na plataforma Dinamica-EGO. Essa plataforma é um software gratuito de modelagem ambiental desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que permite a criação de modelos ambientais complexos através de uma interface visual intuitiva, como um jogo de Lego, sem necessidade de programação avançada.
Com a ferramenta, os pesquisadores simularam ano a ano a conversão de floresta em áreas desmatadas. O sistema considera fatores como proximidade de áreas já abertas, presença de estradas e categorias fundiárias, entre elas as “florestas públicas não designadas”.
Os números projetados são preocupantes. Em toda a área estudada, que soma mais de 429 mil quilômetros quadrados, o cenário com rodovias resultaria em 35 mil quilômetros quadrados adicionais de desmatamento até 2070 em relação ao cenário sem obras. Isso significaria a perda de 15% da cobertura florestal remanescente de 2021, contra 5,9% caso as rodovias não sejam construídas.
Na Trans-Purus, considerada até hoje um grande bloco de floresta intacta, o salto seria ainda mais brusco. As obras podem gerar enchentes e inundações na região, além de serem complexas e custosas ao poder público. É nessa região que se concentra o maior acréscimo entre os cenários simulados.

As “florestas públicas não designadas” despontam como a categoria fundiária mais ameaçada. Até 2070, poderiam perder cerca de 39 mil quilômetros quadrados de vegetação no cenário com rodovias, contra 16,8 mil no cenário-base. Para efeito de comparação, até 2021 o acumulado de desmatamento nessa categoria era de apenas 4,7 mil quilômetros quadrados.
Os pesquisadores ressaltam que o modelo foi calibrado com dados históricos e validado com ferramentas de comparação espacial. Ainda assim, apontam que as projeções podem ser conservadoras, já que o estudo não inclui, por exemplo, a possibilidade de invasões organizadas em grande escala ou a abertura de estradas não oficialmente planejadas.
BR-319 e o risco de inundações
Após um acordo entre os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes, anunciado em julho de 2025, o cronograma para a repavimentação da BR-319. Para o geólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Lucindo Antunes Fernandes Filho, no entanto, as obras podem gerar enchentes e inundações na região, além de serem complexas e custosas ao poder público.
Em análise publicada no Informativo nº 70 do Observatório BR-319, Lucindo explica que uma preocupação são as bacias hidrográficas, de rios e igarapés que atravessam a rodovia. “É uma região de baixa altimetria topográfica e por isso possui grande influência da variação dos períodos de vazante e enchentes dos rios na profundidade do nível freático. Ou seja, o nível da água subterrânea está muito próximo da superfície”, destaca Lucindo, que também é conselheiro titular do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (CREA-AM).

A região não possui riscos geológicos naturais, mas a pavimentação pode gerar enchentes e inundações. “Se não forem tomados os cuidados em relação às bacias hidrográficas e a manutenção dos cursos d’água, rios e igarapés, podem haver perdas econômicas associadas”, pontua.
Outra preocupação, segundo ele, é o substrato geológico do “Trecho do Meio”, que fica na rodovia e é composto por rochas sedimentares cenozoicas, incoesas e porosas. Ao mesmo tempo, a região fica distante de uma fonte de agregados graúdos para a composição do pavimento.
O geólogo lembra que várias tentativas de repavimentação da rodovia foram iniciadas, mas sem garantias suficientes de sustentabilidade ambiental, econômica e social para as populações do entorno, os projetos avançaram de forma tímida. “O projeto deve caracterizar muito bem o comportamento do regime das águas superficiais e subterrâneas nas bacias hidrográficas envolvidas, executar e concluir o projeto sem alterá-lo”, finaliza Lucindo.
Fonte: AGÊNCIA CENARIUM
