
Redação – MANAUS (AM) – A professora e pesquisadora Mariana Neves Cruz Mello, do povo Tikuna, denunciou que vem sendo vítima de racismo institucional dentro da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mesmo aprovada em quatro concursos públicos da instituição, ela afirma que foi impedida de assumir um cargo efetivo como docente.
A denúncia foi formalizada por meio de um requerimento administrativo, datado de 16 de outubro de 2025 e protocolado na Reitoria da UFPA, no qual Mariana solicita sua nomeação e posse no cargo de professora de Geografia Humana no campus de Ananindeua (PA), na Região Metropolitana de Belém (RMB).

“A universidade gosta de discursar sobre diversidade, mas tudo isso é encenação. É a inclusão para inglês ver”, afirmou Mariana. “A UFPA fala em pluralidade e políticas afirmativas, mas mantém os cargos e espaços de poder sob o controle da elite branca paraense”, lamentou a docente.
Mariana afirmou que, desde 2022, busca a efetivação após a aprovação no certame. “O protocolo foi realizado no dia 20 de outubro, após orientações de advogados, mas as demandas por minha efetivação se iniciam no ano de 2022 mesmo”, explicou.

Segundo ela, apesar de o tema ter sido tratado internamente em diferentes momentos, “nunca foi gerado um processo formalizando o pedido, com a justificativa de se tratar de uma demanda comum em todos os campi e faculdades”.
A professora relata possuir atas de 2023 registrando a solicitação pela efetivação e mencionando a sobrecarga de docentes de outros campi que precisaram cobrir disciplinas. “Agora eu já não sou mais do quadro e a estratégia para assegurar que as aulas aconteçam é alocar mestrandos e doutorandos nas disciplinas”, disse Mariana.
De acordo com a docente, a UFPA apenas confirmou a abertura do processo administrativo, que segue “na Reitoria, com prazo de 30 dias para um posicionamento legal”.
Portas se fecharam
Questionada sobre as contratações temporárias para a mesma área e campus durante a validade do concurso, Mariana afirmou que a situação se repetiu diversas vezes. “No meu caso, houve a abertura de concurso para substituto logo depois do concurso efetivo em que fiquei em segundo lugar. Eu mesma passei em primeiro nesse concurso e trabalhei até 2024”, contou.

Ela acrescenta que em 2019, também fez concurso para a UFPA e passou em quarto lugar. “Chamaram três candidatos, mas não prorrogaram o prazo e eu perdi a vaga”. Em 2022, a profissional foi novamente aprovada em segundo lugar e, em 2025, terminou em quinta posição no quarto certame em que foi aprovada. “Em todos eles, não solicitei cota e primei por minha qualificação. Mas, nos espaços da UFPA, nunca me senti muito à vontade para mostrar minha etnia”, afirmou.
A professora sustenta que a exclusão tem raízes estruturais.“O sistema não está preparado e, pior, não quer estar. Porque aceitar uma professora indígena é admitir que o conhecimento pode nascer da floresta, que a epistemologia pode ter cheiro de rio e voz ancestral”, disse.
Entidades cobram nomeação imediata
O caso gerou mobilização entre organizações indígenas e coletivos amazônicos. Em nota pública, a Associação das Parteiras Tradicionais do Município de Breves (ASPARMUB) manifestou solidariedade à docente e criticou a postura da universidade.
“É com indignação e tristeza que tomamos conhecimento da injustiça que se abate sobre ela no âmbito da UFPA. Ver uma mulher indígena, Tikuna, doutora, barrada na porta da maior universidade da Amazônia é um ato que não podemos aceitar”, diz o texto.
A associação pediu que a reitoria da UFPA garanta a nomeação imediata de Mariana, abrindo espaço para “uma verdadeira interculturalidade e o reconhecimento da competência dos profissionais indígenas, não apenas nos discursos, mas na prática cotidiana”.
‘O tempo do silêncio acabou’
Mesmo diante da resistência institucional, Mariana afirma que seguirá lutando por seu direito à nomeação e pela presença indígena na academia. “A história de Mariana não é apenas dela. É o espelho de centenas de estudantes e profissionais indígenas que ousaram sonhar com o espaço acadêmico e encontraram muros de concreto, de silêncio e de medo”, diz a carta publicada por ela.
“Mesmo que a UFPA continue tentando apagar nomes, negar vagas e adiar concursos, nós sabemos: o tempo do silêncio acabou. A Amazônia pensa, fala e ensina. E o conhecimento indígena não precisa pedir permissão para existir”, afirmou.
A CENARIUM solicitou posicionamento da UFPA sobre o caso envolvendo Mariana, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
Fonte: AGÊNCIA CENARIUM
