
Redação – O Senado Federal instalou nesta terça-feira, 4, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado, criada após os desdobramentos da Operação Contenção, deflagrada pelas forças de segurança do Rio de Janeiro no final de outubro. A operação, que resultou em mais de 100 mortes, reacendeu o debate sobre a infiltração das organizações criminosas nas estruturas do Estado.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) foi eleito presidente da CPI, enquanto o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) ficou com a relatoria. A comissão terá 120 dias, prorrogáveis, para investigar a expansão das facções, as fontes de financiamento, relações com o poder público e o tráfico interestadual de drogas e armas.
A Operação Contenção, conduzida pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, teve como objetivo atacar um esquema de apoio logístico a criminosos foragidos ligados ao Comando Vermelho e ao Terceiro Comando Puro, e levou à prisão de policiais suspeitos de facilitar a atuação desses grupos.

Perfis técnicos à frente da CPI
O presidente da CPI, Fabiano Contarato, é delegado de carreira da Polícia Civil do Espírito Santo, formado em Direito e especialista em segurança pública. Tornou-se o primeiro senador abertamente LGBT do País. No comando da CPI, Contarato prometeu uma atuação “técnica, independente e apartidária”, destacando que o combate ao crime não pode ser tratado como pauta exclusiva de um espectro político.
Ao seu lado, o relator Alessandro Vieira – também delegado e senador por Sergipe – tem experiência em investigações de alta complexidade. Vieira foi responsável, ainda na Polícia Civil sergipana, por operações de enfrentamento à corrupção e lavagem de dinheiro.

Na relatoria da CPI, ele deve conduzir as oitivas e consolidar o relatório final com propostas legislativas e administrativas. Segundo Vieira, o objetivo é “romper o ciclo de convivência entre o poder público e o crime organizado, que corrói a confiança na democracia”.
O plano de trabalho da CPI do Crime Organizado prevê três eixos centrais: a estrutura interna das facções, as conexões econômicas e políticas que sustentam essas organizações e a influência territorial exercida sobre comunidades. A comissão deverá convocar representantes do Ministério da Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Polícia Federal e de institutos de pesquisa para traçar um diagnóstico nacional.
A estrutura das facções
A CENARIUM analisou dois artigos científicos que abordaram a complexidade das facções criminosas no no Brasil. O primeiro, intitulado “A estruturação de atividades criminosas: um estudo de caso”, publicado em 2019 na Revista Brasileira de Ciências Sociais, mostra que as facções brasileiras operam com divisão de tarefas e coordenação logística semelhantes às de organizações empresariais.
Os grupos atualmente contam com áreas especializadas em arrecadação, inteligência, recrutamento e controle territorial. O estudo também demonstra que o vácuo do Estado – onde há ausência de políticas públicas, saneamento, segurança e presença institucional – é o principal terreno fértil para a consolidação dessas redes criminosas.
O segundo, “Abordagens da história das facções criminosas do Rio de Janeiro na literatura científica: uma revisão de escopo”, publicado em 2023 na plataforma SciELO, ressalta que o sistema prisional é o berço estruturante dessas organizações. Elas surgiram da convivência forçada entre presos políticos e comuns nos anos 1970 e evoluíram para redes com ramificações nacionais.
‘Estado Paralelo’ e a institucionalização do crime no Brasil
Em maio de 2006, o Primeiro Comando da Capital (PCC) mostrou ao País que não era mais apenas uma facção prisional. A série de ataques coordenados em São Paulo revelou o nascimento de uma estrutura que, segundo especialistas, passou a atuar como um “Estado Paralelo” – capaz de impor regras, mobilizar recursos e até negociar com agentes públicos.
A advogada e professora de compliance Patrícia Punder explica que o episódio marcou uma virada na história do crime organizado brasileiro. “Foi o momento em que o PCC deixou de ser uma facção desorganizada e se tornou uma estrutura institucionalizada de poder. A partir dali, o grupo começou a operar como uma organização empresarial criminosa, com governança, sucessão e divisão funcional”, afirma.

Segundo Punder, o modelo de governança criminal adotado pelo PCC combina centralização estratégica e execução descentralizada, o que garante eficiência e continuidade mesmo diante da prisão de líderes. “O PCC opera como uma corporação: possui setores financeiros, jurídicos e logísticos, aplica princípios de gestão e planejamento por resultados. É uma governança invertida – eficiente, porém ilegal”, explica.
Para a especialista, a verdadeira ameaça não está apenas na violência, mas na institucionalização da ilegalidade. “Quando o crime se organiza melhor que o próprio aparato público, o Estado perde legitimidade e o cidadão, confiança”, conclui.
Fonte: AGÊNCIA CENARIUM
