Lideranças indígenas responsabilizam os militares e um órgão do Ministério da Saúde por ter levado o novo coronavírus à Terra Indígena Parque de Tumucumaque (PA/AP), na remota fronteira com o Suriname, só acessível por via aérea. Há ao menos 23 infectados, incluindo uma mulher grávida de cinco meses transferida em estado grave a Macapá.
De acordo com essas lideranças, os dois primeiros casos foram de indígenas da aldeia Missão Tiriyó que trabalham em uma empresa de limpeza terceirizada a serviço da Aeronáutica.
No local, funciona o 1º Pelotão Especial de Fronteira (1º PEF), onde atuam cerca de 50 militares do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB). A base está a 10 km da fronteira com o Suriname e a 940 km em linha reta de Belém.
“Com certeza, os militares levaram”, afirma Angela Kaxuyana, da região de Missão Tiriyó e membro da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
Kaxuyana relata que um militar do Exército foi removido em estado grave para Belém, com diagnóstico da Covid-19. Procurado, o Comando Conjunto do Norte (CCN), sediado em Belém, confirmou a informação. Disse que ele está recuperado e que regressará a sua guarnição no Comando Militar da Amazônia (CMA), com sede em Manaus.
“O que nos preocupa é que os indígenas tiveram contato com as outras aldeias do entorno. Há uma possibilidade de ter um número muito maior”, afirma Kaxuyana. “As aldeias mais distantes têm interligação, eles visitam a família, transitam.”
Ela afirma que, apesar do avanço da Covid-19, a presença do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Amapá e Norte do Pará, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, é mínima, e os testes rápidos para o coronavírus acabaram. Além disso, o Exército não tem brindado apoio.
“A aldeia está com um técnico de enfermagem do Dsei, um profissional indígena e um padre que está correndo pra cima e pra baixo. Não tem uma equipe que está fazendo frente a essa situação”, afirmou Kaxuyana.
A Coiab está preocupada também com a Terra Indígena Paru d’Este, localizada abaixo de Tumucumaque. Há relatos de vários indígenas com sintomas da Covid-19, mas ninguém havia sido testado até esta sexta-feira (5).
Juntas, as duas TIs têm 4,3 milhões de hectares nos estados do Pará e do Amapá e abrigam nove povos indígenas em 63 aldeias. A população é de cerca de 3.200 pessoas.
Dois focos Segundo Aventino Nakay, presidente da Associação dos Povos Indígenas Tiriyó Kaxuyana e Txikityana (Apiticatxi), além dos casos na base aérea, o novo coronavírus também foi detectado em indígenas que estavam em Macapá para tratamento médico e foram trazidos de volta pelo Dsei.
Esses casos foram registrados na aldeia Tuhaentu, a cerca de 2 km de Missão Tiriyó. A contaminação teria acontecido na Casai (Casa de Apoio à Saúde Indígena) de Macapá, a 600 km em linha reta. Mantida pelo Dsei, é o local de hospedagem para quem precisa de atenção médica na cidade.
“O Dsei deveria fazer os testes no pessoal. Mas acho que eles não tiveram esse controle e mandaram esse pessoal de volta já com vírus”, afirma Nakay.
Segundo ele, a mulher grávida, que mora próxima à aldeia Tuhaentu, chegou a ficar em estado gravíssimo e só não morreu por causa de um tubo de oxigênio cedido pelo Exército. Removida em uma UTI aérea, ela está melhor e se recupera na Casai, isolada dos outros indígenas.
Boletim diário da Coiab contabiliza 2.463 casos de Covid-19 entre 68 povos indígenas da Amazônia até esta sexta (6). Os óbitos já somam 207 casos, em 37 povos indígenas.
A reportagem entrou em contato com o secretário de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, o coronel do Exército Robson Silva. Via WhatsApp, ele solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Até o fechamento desta edição, não houve resposta aos questionamentos.
O CCN afirma que adota “cuidados criteriosos em assistir aldeias indígenas”: “O CCN planeja as ações e executa de acordo com as solicitações de órgãos competentes como a Funai e Sesai, que cuidam das reservas.
“O Comando reitera que tem atuado com a doação de máscaras, kits de higiene, cestas básicas e outros donativos. Também tem dado atenção principalmente na construção e apoio logístico e operacional de centros de saúde em aldeias, na região do Pará”, afirmou, via assessoria de imprensa.
A Folha de S.Paulo entrou em contato com a Aeronáutica, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.
(*) Com informações da Folhapress