Redação – A grande presença de representantes de povos indígenas tem sido destaque nesta primeira semana da Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, a COP26. A ida de uma delegação com 40 indígenas de todos os biomas brasileiros, o discurso da jovem Txai Suruí na abertura da Conferência do Clima e a realização de diferentes programações sobre os desafios que os povos indígenas enfrentam deram sinais de que foi conquistado por eles um espaço inédito.
A iniciativa Uma Concertação para a Amazônia, rede que reúne mais de 400 lideranças para criar soluções para a conservação e o desenvolvimento sustentável da região, viu a abertura desses espaços como um avanço, mas destaca que é preciso transformar essa oportunidade em ações concretas, que beneficiem de fato os povos indígenas da Amazônia e de outros biomas.
“Ao longo da história, os povos indígenas não tiveram suas vozes ouvidas nos mais diferentes níveis de tomadas de decisão. É hora ouvi-los e de contar com o conhecimento que possuem sobre a biodiversidade e a relação que devemos ter com as florestas, nos esforços globais para enfrentar a mudança climática e alcançar a meta do 1,5 oC”, afirma Roberto Waack, um dos fundadores da Concertação.
Para ele, os recentes anúncios de acordos como a Declaração para Florestas, que destinará financiamento da ordem de US$ 19,2 bilhões para deter e reverter o desmatamento até 2030, e de recursos diretamente direcionados para os povos indígenas e tradicionais do planeta, como o US$ 1,7 bilhão anunciado por governos de países como Alemanha, Estados Unidos e Holanda, são uma sinalização importante, mas que precisa ser transformada em realidade. “Os compromissos de financiamento para a conservação da floresta, incluindo para fortalecimento dos povos indígenas, são positivos, mas é preciso saber, agora, como se dará concretude a tudo isso, na forma de ações reais e eficazes”, destaca.
A condição de como esses investimentos vão chegar, sobretudo às bases de comunidades e organizações indígenas, é questão central para Txai Suruí. “Esses acordos são importantes, mas é preciso cobrar como isso acontecerá: quem vai receber, por onde este investimento passará e como vamos garantir que ele chegará a quem precisa. Hoje muitos povos lutam contra invasores, queimadas e desmatamento, mas sem estrutura para isso”, explica.
Para Txai, falar em proteção das florestas e dos povos indígenas é fácil, mas é preciso ir além do discurso. “Antes da viagem, vi um território indígena invadido por gado. Quem compra essa carne? É preciso que quem compra esses produtos que vêm deste tipo de exploração pare de fazê-lo. E mais, os compromissos devem ir além da proteção dos povos e das terras, é preciso regenerar também”.
Somando a este discurso, a jovem Samela Sateré Mawé, liderança indígena e ativista ambiental do movimento Fridays for Future (fundado pela ativista sueca Greta Thunberg), afirma que a delegação indígena está na COP para ocupar lugares de fala. “Somos os principais protetores do meio ambiente e defensores da floresta. Ninguém melhor do que nós para falar sobre o que está acontecendo nos territórios, pois somos os primeiros a ser impactados pela mudança do clima. Todos os dias, somos afetados pela decisão de outras pessoas”, afirma. Ela participa de sua primeira COP como integrante da Concertação.
Para Samela, os povos indígenas têm muito a passar para as lideranças da COP. “Nós temos um pensamento coletivo. Nossa luta é coletiva. Por isso, acredito que temos mais sensibilidade para falar sobre mudança climática e questões ambientais”, afirma.
A jovem ativista explica que, entre as reivindicações que a delegação indígena leva à Conferência, está a demarcação dos territórios. “Não tem como falar de meio ambiente ou mudanças climáticas sem demarcação das Terras Indígenas.”
Também para a Concertação, a garantia do direito territorial é essencial para a melhoria da qualidade de vida dessas populações, bem como para a conservação do valor cultural e ecológico do território.
Por isso, a participação dos povos tradicionais e indígenas, seja na COP ou em qualquer outra instância ou espaço de debate e de tomadas de decisão, é fundamental para se alcançar um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, em suas várias dimensões. “Esses povos são chave para conter o desmatamento e conservar a biodiversidade. Além disso, o território é uma parte fundamental da cultura, cosmologia e identidade dessas populações. E a Constituição brasileira reconhece o direito desses povos a suas terras”, lembra Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas e integrante da Concertação.
Na Amazônia brasileira, Áreas Naturais Protegidas e Terras Indígenas abrangem 42,2% do bioma, abrigando 190 povos indígenas — incluindo 54 grupos isolados — e somando uma população mais de 752 mil pessoas, a maior diversidade e o maior número de toda Pan-Amazônia.
Sérgio Leitão destaca que um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia deve envolver, ainda, uma discussão sobre o que seria uma economia das Terras Indígenas e das comunidades tradicionais, com uma gestão territorial integrada, pois nenhuma atividade conduzida sem a deliberação e condução exclusiva por parte desses povos será benéfica para o território.
Sobre a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia
É uma rede de pessoas, entidades e empresas formada para buscar soluções para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Hoje, reúne mais de 400 lideranças engajadas em criar um espaço democrático onde as dezenas de iniciativas em defesa da Amazônia se encontrem, dialoguem, aumentem o impacto de suas ações e gerem novas ações em prol da floresta e das populações que vivem na região.
Sobre Samela Sateré Mawé
Samela é a quarta geração de uma família em que as mulheres lutam pelos direitos indígenas. Sua avó, Zenilda Sateré Mawé, fundou a Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (AMISM), na Zona Oeste de Manaus, que coordenou grandes movimentos, como a luta por reserva de vagas para indígenas na universidade, institucionalizada em 2004 no estado do Amazonas. Instagram: @sam_sateremawe
Sobre Txai Suruí
Txai nasceu em Rondônia, no povo Suruí. É a primeira em seu povo a cursar direito na Universidade Federal de Rondônia (Unir). Atua na área jurídica da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé), entidade que defende a causa indígena em Rondônia. E tem denunciado o avanço da agropecuária sobre a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. Filha do cacique Almir Suruí e da indigenista Neidinha Suruí. Ambos são nomes de destaque e de relevância na luta indígena do país.
Com informações Pecan Comunicação