
Redação – Dois Projetos de Lei (PL) protocolados na Câmara dos Deputados, no final de 2024, propõem reorganizar a governança da internet, garantir o direito à livre manifestação do pensamento, moderar o conteúdo e organizar o funcionamento das plataformas, serviços e mercados digitais na rede mundial de computadores.
As propostas entram em tramitação em um momento em que o governo federal estuda uma política de moderação das plataformas digitais, principalmente após a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, alterar sua política de checagem de fatos e todo seu escopo de moderação de conteúdo postado em suas redes sociais.
Protocolado no dia 4 de dezembro do ano passado, o PL 4.691/2024 é assinado pelo deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) e pela deputada Dani Cunha (União-RJ). Ela é filha do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que teve o mandato cassado em 2016 por quebra de decoro parlamentar, acusado de mentir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras em 2015.

A proposta pretende criar a “Lei de Proteção às Liberdades Constitucionais e Direitos Fundamentais, nas plataformas, serviços e mercados digitais na Internet, estabelecendo diretrizes para o efetivo exercício desse direito”. Seus dispositivos serão aplicados somente às plataformas digitais, que tenham uma base de usuários a partir de, no mínimo, 5% da população do país.
Entre outros princípios, está o de se observar a liberdade de expressão, vedando o anonimato, a liberdade de imprensa e a vedação à censura no ambiente online. Estabelece, ainda, o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, assegurado o direito à exposição e defesa plena dos seus dogmas e livros sagrados.
O projeto também estabelece nove definições das modalidades a serem consideradas para a aplicação da lei, que vão dos conceitos de plataformas digitais ao serviço de computação em nuvem.
Há um capítulo que trata da responsabilização das plataformas, com a vedação ao anonimato e proteção da identidade do usuário, cujo sigilo só poderá ser quebrado por requisição judicial.
Conforme a propositura, a responsabilização ocorrerá em quatro hipóteses: quando falhar em identificar a identidade real do titular do perfil, conta ou canal; quando a distribuição tiver sido realizada por meio de publicidade e propaganda online, nos termos da regulamentação; quando usuários tiverem seus perfis invadidos ou acessados indevidamente e, mesmo sendo avisadas, não tomarem providências; e, por último, quando, em decorrência da criação de perfis e contas de forma fraudulenta e ilícita, em nome de terceiros, as plataformas deixarem de agir, mesmo após serem notificadas.
Uso responsável e transparente
Ao todo, o PL é dividido em sete capítulos, que vão desde as disposições preliminares, passam pela regulação e autorregulação, até as sanções.
Na justificativa, os autores afirmam que o PL “surge em um contexto no qual a convivência no ambiente digital exige uma regulamentação que possibilite que todos possam usufruir das plataformas digitais de maneira segura, responsável e transparente”.
“Ao incluir expressões como ‘proteção dos direitos fundamentais’, o artigo sinaliza uma preocupação com a dignidade humana em um espaço que, muitas vezes, carece de limites e regulamentações”, assinalam.
A expectativa dos autores, ressaltam, é de que essa peça legislativa possa contribuir para a desobstrução do debate legislativo sobre a regulamentação das redes, que está paralisado na Câmara desde o ano passado, após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), retirar outro projeto sobre o tema de tramitação. Ele prometeu formar um grupo de trabalho para debater novamente a questão, mas a promessa não se efetivou.
Remoção de material postado
Na seção que trata do “Tratamento dos Riscos Sistêmicos”, a proposta parlamentar indica que as plataformas devem, entre outras obrigações, “adaptar os processos de moderação de postagens, incluindo a rapidez e a qualidade do processamento de notificações e, quando necessário, aplicar a remoção do material postado”.
“O órgão regulador avaliará as medidas de atenuação de riscos propostas pelas Plataformas Digitais e poderá exigir medidas adicionais para responder a riscos identificados”, propõe o texto.
Ao abordar o “Tratamento Preventivo e Corretivo de Crimes na Internet”, a matéria propõe que as “plataformas digitais têm o dever geral de zelar pela civilidade e higidez em seus serviços e de atuar de forma diligente, e em prazo adequado, para mitigar o uso indevido de seus serviços por terceiros, combinando ações preventivas, nos termos da regulamentação, e ações corretivas, quando oficialmente notificados, em face de materiais gerados por terceiros no âmbito de seus serviços”. O texto define 19 situações em que devem tomar providências.
“As plataformas digitais poderão incluir, em seus termos de serviços, medidas para evitar a disseminação generalizada de desinformação intencional com alto potencial de risco ofensivo, tais como regras e políticas específicas, produtos ou funcionalidades, intervenções algorítmicas, parcerias com verificadores de fatos, campanhas para gerar alfabetização midiática dos usuários, dentre outras medidas”, estabelece o texto.
As sanções vão de advertência, multas de R$ 50 mil à suspensão temporária do provedor.
Projeto define Anatel como órgão regulador
A segunda propositura trata-se do Projeto de Lei 4.557/2024, de autoria apenas do deputado Silas Câmara. Protocolada dia 27 de novembro de 2024, o texto altera três leis “para reorganizar a governança da Internet no Brasil, fortalecer a supervisão e regulamentação das atividades de registro e manutenção de domínios, e assegurar a transparência e eficiência na gestão da Internet”.
A ideia central é conjugar a competência do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), responsável por coordenar e integrar todas as iniciativas relacionadas aos serviços de internet no País, com a estabilidade jurídica e estrutura consolidada da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que passaria a ser o órgão regulador dessa matéria no país.
“Essa colaboração potencializaria ainda mais os benefícios para o desenvolvimento da infraestrutura digital do País, garantindo que o Brasil continue a avançar de forma robusta e segura no cenário global da internet”, justifica o deputado da bancada do Amazonas.
Para garantir a mudança de governança, o projeto propõe alterar a Lei Geral de Telecomunicações, sancionada no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997 (Lei 9.472); a Lei 12.527, de Acesso à Informação, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2011; e a Lei 14.133, a nova Lei de Licitações e Contratos, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2021.
“A aprovação deste projeto não apenas reforça a segurança e a estabilidade da infraestrutura da internet no Brasil, mas também promove a transparência e a eficiência na gestão deste recurso vital”, afirma Câmara.
As duas propostas aguardam a designação de relator, o que deve ocorrer a partir da retomada dos trabalhos legislativos, a partir deste sábado, 1º, quando a Câmara elege a Mesa Diretora da Casa.
Republicação Agência Cenarium