
Redação – MANAUS (AM) – Oito organizações e redes dos movimentos ambientalista, indígena, quilombola e de pescadores artesanais ingressaram nessa quarta-feira, 22, com uma ação na Justiça Federal do Pará contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Petrobras e a União, pedindo a anulação da licença de operação que permitiu o início da perfuração para pesquisar petróleo na bacia da Foz do Rio Amazonas, no bloco FZA-M-59.
A licença foi concedida pelo Ibama em 20 de outubro de 2025, após quatro anos de pressão da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia, mesmo com pareceres técnicos contrários do próprio instituto e recomendações do Ministério Público Federal (MPF). A Petrobras informou que iniciou as perfurações logo após a autorização.

As entidades autoras pedem, ainda, uma liminar para suspensão imediata das atividades, sob risco de danos irreversíveis ao meio ambiente. Assinam a petição a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), Greenpeace Brasil, Instituto Arayara, Observatório do Clima e WWF-Brasil.
Sem consulta e falhas técnicas
Segundo a ação, o licenciamento violou direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, apresentou falhas graves de modelagem ambiental e ignorou os impactos climáticos do projeto. Para a Apib, o processo atropelou o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da OIT, e desconsiderou alertas técnicos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“Este projeto é predatório, ignora a voz dos povos indígenas, verdadeiros guardiões da floresta, e escancara as contradições do governo ao investir em combustíveis fósseis, principal causa da crise climática, há poucos dias da COP30. Exigimos a revisão urgente desta autorização, pois a Amazônia e seus povos não podem pagar a conta de uma destruição que não é nossa”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib.

Na mesma linha, Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, reforçou que “nenhuma decisão que impacte a vida e os territórios indígenas pode ser tomada sem ouvir quem há milênios cuida da Amazônia. A consulta livre, prévia e informada não é um favor; é um direito garantido e inegociável”. Ele disse, ainda, que autorizar a exploração de petróleo sem esse diálogo “é mais um ato de violação e desrespeito aos povos indígenas, que pagam a conta pelas ações do Estado e da iniciativa privada, preocupados apenas com o lucro acima da vida”.
Representando as comunidades quilombolas, Núbia Cristina, da Conaq, lembrou que o movimento tenta há anos dialogar com a Petrobras. “Estamos há três anos ajuizando ações pedindo para ser ouvidos. O governo federal, ao liberar o licenciamento, viola todos os direitos das comunidades quilombolas do Amapá e do Brasil. Mesmo sem a oitiva da OIT, o país conseguiu liberar uma licença que ameaça toda a costa amapaense”, afirmou.
Inconsistências técnicas e violação
As entidades também apontam fragilidades técnicas no licenciamento. A Petrobras, segundo o documento, utilizou dados hidrodinâmicos de 2013, mesmo havendo dados atualizados de 2024. O Ibama reconheceu as falhas, mas ainda assim emitiu a licença com base em modelagem desatualizada.
“Às vésperas da COP30, é lamentável que o governo brasileiro tenha autorizado a abertura de nova fronteira de exploração de petróleo na Amazônia. A anulação da licença é urgente, pois ela foi concedida sem estudos adequados e sem consulta às comunidades tradicionais”, disse Angela Barbarulo, gerente jurídica do Greenpeace Brasil.
Para Nicole Oliveira, diretora do Instituto Arayara, “é inaceitável que um projeto dessa magnitude avance sem consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas, quilombolas e pescadoras que serão diretamente afetadas. Isso é uma afronta à Constituição e à Convenção 169 da OIT”. Ela lembrou que “a Petrobrás se autoproclama líder da transição energética justa, mas é responsável por 29% da expansão fóssil da América Latina. Não existe justiça quando povos e territórios são sacrificados”.

O Observatório do Clima também destacou o contexto climático e político do licenciamento. “Em plena crise climática e às vésperas da COP30, o Brasil joga no fundo do oceano a tentativa de liderar pelo exemplo e põe em risco o legado climático do país ao autorizar a perfuração do bloco FZA-M-59. O processo de licenciamento possui inconsistências técnicas e jurídicas que demonstram sua inadequação”, disse Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas da organização.
Para o WWF-Brasil, a autorização do Ibama fere princípios do direito ambiental. “A concessão de uma licença para exploração de petróleo sem comprovação de segurança ambiental e social é uma grave violação ao princípio da precaução. Diante de um ecossistema tão sensível e interconectado, a incerteza científica deve ser motivo de cautela, não de avanço”, afirmou Danilo Farias, coordenador de Litigância Estratégica da entidade.
As organizações esperam que a Justiça suspenda a licença até que sejam realizados os estudos e consultas obrigatórios, e que o governo brasileiro revise a política de expansão de combustíveis fósseis na região amazônica, considerada uma das mais sensíveis do planeta.
Fonte: AGÊNCIA CENARIUM
