
Redação – A aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL 03/2025) pela Câmara dos Deputados, que suspende uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre o acesso ao aborto legal, representa “um retrocesso e uma forma de violência institucional contra meninas e adolescentes vítimas de estupro”. A avaliação é da advogada criminalista Mariana Rieping, especialista em crimes de gênero.
À CENARIUM, a jurista afirmou que o decreto aprovado na quarta-feira, 5, impõe burocracia onde deveria haver acolhimento e expõe as vítimas de abuso sexual a mais sofrimento. “O ataque a essa norma impõe burocracia onde deveria haver acolhimento, expondo meninas vítimas de estupro a mais sofrimento”, afirmou.
Rieping destaca que o aborto em casos de estupro é permitido no Brasil desde 1940, com a promulgação do Código Penal, e não há limite de idade gestacional previsto em lei. Segundo ela, a Resolução 258/24 do Conanda apenas regulamentava direitos já existentes, buscando garantir um atendimento humanizado e rápido a vítimas menores de idade.
A especialista avaliou, ainda, que a exigência de boletim de ocorrência em casos de violência sexual pode representar um fator de vulnerabilidade adicional às vítimas. “Exigir um boletim de ocorrência de uma menina violentada pelo pai, por exemplo, é uma crueldade que a expõe a mais risco e desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, observou.

A criminalista lembra que a urgência da norma se deve à realidade dos dados sobre estupro no País, que atinge principalmente crianças e adolescentes menores de 14 anos. Esses casos são enquadrados enquadradas na figura do estupro de vulnerável.
“A maioria dos crimes ocorre no contexto doméstico e familiar, por alguém conhecido. Isso dificulta a denúncia e faz com que a gravidez, que pode ocorrer em meninas, demore a ser identificada. O PDL ataca essa realidade, tentando impor um tempo que a própria lei não exige”, explicou.
Por se tratar de um decreto legislativo, o texto não pode ser vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e passará a ter efeito imediato caso seja aprovado pelo Senado. Outro ponto considerado sensível, segundo a advogada, é a manutenção da chamada objeção de consciência, que autoriza médicos a se recusarem a realizar o procedimento de aborto legal por motivos morais, religiosos ou éticos.
“A lei brasileira é clara: basta o relato da vítima e o consentimento. Ao tentar transformar a objeção de consciência em uma forma válida de recusa, o PDL subverte a lógica da proteção à vítima e abre perigoso precedente para a interferência de valores pessoais na garantia de um serviço público de saúde”, afirmou Rieping.
Ela reforça que o direito de interromper a gestação nos casos previstos em lei é, antes de tudo, um direito humano. “O direito de interromper a gestação, nos casos previstos em lei, é um direito de saúde e, acima de tudo, um direito humano”, disse.
A advogada relaciona, também, o PDL ao PL 1904/2024, que prevê equiparar o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. “Vemos a possibilidade de uma criança estuprada ser punida com uma pena maior que a de seu agressor. Cabe ao Senado atuar como barreira final para impedir esse flagrante atentado aos direitos das meninas e mulheres brasileiras”, concluiu.
Fonte: Agência Cenarium
