A garantia de atendimento em saúde e segurança alimentar aos povos indígenas da Terra Indígena Vale do Javari, durante a pandemia de Covid-19, são as principais demandas de recomendação expedida pelo Ministério Público Federal (MPF).
O documento foi encaminhado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Vale do Javari, à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Coordenação da Funai no Vale do Javari, ao Estado do Amazonas e ao município de Atalaia do Norte (a 1137 quilômetros de Manaus) pedindo atuação conjunta e integrada em favor da população indígena daquela região.
Entre as diversas medidas recomendadas em caráter de urgência, o MPF pede à Sesai e ao Dsei que levantem e informem, imediatamente, todos os casos de contaminação pela covid-19, na Terra Indígena do Vale do Javari, incluindo profissionais e indígenas. Os órgãos devem apresentar relatório indicando nomes, idades, etnias, se necessário, condição de saúde das pessoas que estiverem em tratamento, apontar locais de prestação de serviço e esclarecer se estão em isolamento e, nesse caso, em que local.
A Sesai e o Dsei também devem, segundo a recomendação, informar as condições em que essas pessoas foram contaminadas; detectar e apontar os contatos que as pessoas que testaram positivo tiveram e os locais por onde passaram, destacando se são profissionais do Dsei ou indígenas das aldeias do Vale do Javari; tomar medidas para garantir o isolamento e o atendimento de saúde aos profissionais que testaram positivo para a Covid-19 e aos indígenas contaminados pelo novo Coronavírus, além de outras medidas.
De acordo com o MPF, a Sesai ainda deverá adquirir e distribuir ao Dsei Vale do Javari, imediatamente, insumos laboratoriais; cilindros e kits de oxigênio para oxigenoterapia; equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos os profissionais das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena; equipamentos de comunicação (rádio, internet ou outro) que garantam que todas as aldeias do Vale do Javari disponham de meios de comunicação em caso de emergência. A aquisição de todos esses itens também é recomendada diretamente ao Dsei Vale do Javari.
Outras medidas recomendadas à Sesai e ao Dsei Vale do Javari incluem o acesso à informação com mais periodicidade sobre as formas de prevenção do contágio do novo Coronavírus, dos riscos, sintomas e do tratamento em linguagem clara e acessível e a presença de Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena em todas as aldeias da terra indígena.
A implantação de Unidade de Atenção Primária (Uapi) na região; o fornecimento imediato de alimentos e materiais de higiene e limpeza aos indígenas; a contratação de serviços de transporte terrestre, aéreo e fluvial que garantam cobertura para o Vale do Javari, de modo a viabilizar remoções de emergência; e o uso combinado da medicina alopática ocidental com a fitoterápica tradicional indígena para combate à Covid-19 são recomendados pelo MPF à Sesai.
Especificamente ao Dsei, o MPF indica como medidas imediatas a adequação do espaço físico das Casas de Saúde Indígena e outras unidades de apoio a indígenas convalescentes, para garantir o isolamento dos usuários; locação ou cessão de espaços adequados para que os indígenas, que estejam na cidade, realizem quarentena.
Já a Funai e a Coordenação Regional da fundação deverão elaborar e implementar, de forma imediata, em parceria com a Sesai, estratégias para evitar o deslocamento dos indígenas que vivem na região do Vale do Javari para as cidades próximas, como estender as medidas de restrição de acesso na região a todas as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e outras medidas.
Todas as medidas mencionadas na recomendação têm prazo de cinco dias corridos para cumprimento. O MPF também está investigando de que forma ocorreu a contaminação pela Covid-19 na região do Vale do Javari para eventual responsabilização.
Vulnerabilidade
Na recomendação, o MPF destaca que a Terra Indígena Vale do Javari é umas das áreas indígenas de maior extensão do país e comporta o maior número de índios isolados e de recente contato do mundo, termos utilizados para se referir a grupos indígenas com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência de interação, seja com não-índios, seja com outros povos indígenas.
Segundo a própria Funai, os registros históricos demonstram que a decisão de isolamento desses povos pode ser o resultado dos encontros com efeitos negativos para suas sociedades, como infecções, doenças, epidemias e morte, atos de violência física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que tornam vulneráveis seus territórios, ameaçando suas vidas, seus direitos e sua continuidade histórica como grupos culturalmente diferenciados.
O MPF lembra que as restrições ao deslocamento às cidades podem gerar desabastecimento nas aldeias e prejuízos à segurança alimentar dos indígenas, o que requer atuação da Sesai, da Funai, dos estados e municípios, e ressalta que a ida dos indígenas às cidades, em busca de serviços de assistência à saúde e segurança alimentar pode levar ao crescimento exponencial dos casos e a sobrecarga do sistema de saúde local.
Nesse sentido, o órgão considera indispensáveis as ações recomendadas no sentido de garantir o fornecimento de alimentação aos indígenas durante a pandemia de Covid-19.
Fonte: Revista Cenarium