‘Protocolo da Sesai para enterros de indígenas mortos por Covid-19, em RR, fere costumes e tradições’, diz líder Tuxaua

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Líder Valdecir Wai Wai pede que os corpos de seus parentes sejam enterrados em suas terras. (Conselho Indígena de Roraima)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Lideranças indígenas de Roraima (RR) são contra o protocolo de enterros da Secretaria Especial de Saúde (Sesai) do Estado. Na visão do líder indígena Valdecir Wai Wai, que lamentou a situação nas redes sociais nesse sábado, 11, a medida é totalmente contra sua cultura, ferindo seus costumes e tradições, pois os corpos devem ser sepultados em suas terras.

Valdecir solicitou, por meio do Conselho Indígena (CIR), que os corpos dos indígenas Fernando Makari Wai Wai e Sergio Xehxena Wai Wai, mortos nos dias 4 e 5 de julho, respectivamente, vítimas de Covid-19, sejam transladados para suas terras.

“Queremos os corpos de nossos irmãos. Eles devem ser enterrados aqui na terra indígena. Não queremos abrir os caixões e a Sesai até pode enterrá-los conforme os procedimentos, mas queremos que eles possam ser sepultados aqui para então descansarem em paz”, disse o coordenador dos Tuxauas, Valdecir Wai Wai.

Segundo o CIR, o protocolo da Sesai diz que os corpos de indígenas infectados com Covid-19 devem ser enterrados na capital Boa Vista, distante de seus familiares, por medidas de seguranças sanitárias.

Fernando e Sergio Wai Wai foram as primeiras vítimas pela Covid-19 de seu povo, que tem 12 casos de infectados. Somente em Roraima, os Wai Wai tem uma população de 865 pessoas divididas nas comunidades Anauá, Catual, Cobra, Jatapuzinho, Laranjinha, Makará, Samaúma, Soma e Xaari, segundo o Disei-Leste do Estado. Seu povo indígena também ocupa territórios do nordeste do Amazonas e o noroeste do Pará.

“Sem a devida assistência do poder público, os indígenas também estão assustados e temem o alastramento do vírus para as comunidades mais distantes com acesso apenas via fluvial e aéreo”, diz o conselho.

Em matéria divulgada em um site local, especialistas explicam que enterros de indígenas devem ser pauta em diálogo entre lideranças e o Ministério da Saúde, que coordena a Sesai, para não expor os povos à violência de suas tradições culturais e espirituais e à contaminação da Covid-19.

No último dia 6 de julho, a Associação do Povo Indígena Wai Wai enviou uma carta ao Ministério Público Federal (MPF) pelos direitos de sepultamentos de mortos por Covid-19.

No documento, a associação faz um apelo às autoridades públicas responsáveis pela saúde em Roraima para não aumentar o sofrimento de seu povo. “Pedimos o respeito a um direito humano fundamental: o da dignidade da morte e do sepultamento”, diz trecho do documento.

A carta enfatiza ainda que a cultura, leis e o luto por ocasião da morte de um ente são estão sendo respeitadas. Segundo eles, os indígenas estão sofrendo com racismo institucional por não poderem enterrar e lamentar a morte de seus familiares de modo digno, de acordo com sua cultura.

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Confira a carta da Associação do Povo Indígena Wai Wai

Mortes

Fernando Makari Wai Wai foi a primeira vítima por Covid-19 de seu povo, segundo a entidade indígena. No dia 28 de junho, ele foi levado, doente, da comunidade Xaary, na Terra Indígena Wai Wai, para o município de Rorainópolis (a 295 quilômetros de Boa Vista, em Roraima).

No dia 30, do mesmo mês, foi encaminhado para o Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista, onde veio a óbito na madrugada de 4 de julho, após agravamento da doença.

“Tão logo ficamos sabendo, solicitamos o envio do corpo para Xaary, onde vivem sua mulher, filho, irmã e outros parentes. Queríamos fazer o luto e o sepultamento. Mas ficamos sabendo que o corpo não seria liberado pelo Dsei Leste, segundo alegação que não seguiríamos as recomendações sanitárias”, pontuou a Associação do Povo Indígena Wai Wai.

O pedido, contudo, mesmo após ter sido acatado pelo MPF em Roraima, foi negado pelos responsáveis do Dsei Leste, segundo a carta, e Fernando foi enterrado em Boa Vista, longe de sua família.

Sergio Xehema Wai Wai morreu aos 83 anos, também no Hospital Geral de Roraima no dia 5 de julho. O corpo foi enterrado em Boa Vista, segundo lideranças do povo Wai Wai.

Carro apreendido

No dia seguinte, segunda-feira, 6, a comunidade indígena Xaary, da etnia Wai Wai, apreendeu um veículo da Sesai como forma de protesto e para reivindicar os corpos de Fernando e Sergio.

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Maloca indígena da comunidade Xaari (Conselho Indígena de Roraima)

“Estamos profundamente tristes e indignados! Afirmamos que nossa dor só será acalmada quando os corpos dos parentes mortos retornarem par o sepultamento na terra onde nascemos e vivemos e onde viverão nossos filhos e netos. Apenas então faremos paz para fazer nosso luto e só então resolveremos o carro da Sesai.

Ao final da reportagem, a REVISTA CENARIUM buscou contato com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) de Roraima, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

 

Fonte: Bruno Pacheco – Revista Cenarium

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