O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), decretou o lockdown (bloqueio total) nas regiões do Baixo Amazonas e Calha Norte a partir de segunda-feira (1º).
A medida foi adotada após a confirmação pelo Instituto Evandro Chagas de dois casos de Covid-10 com a nova variante P1, identificada como cepa Brasil, no município de Santarém.
Em pronunciamento no sábado (30) em redes sociais, o governador afirmou a gravidade da nova cepa brasileira e que já é preocupante o aumento da procura por leitos clínicos e Unidades de Terapia Intensiva (UTI) na região do Baixo Amazonas. O lockdown, medida antipopular e evitada pelos governantes, é a alternativa mais rápida e disponível para diminuir a transmissão do novo coronavírus.
“O aumento na procura por leitos clínicos e de UTI para pacientes de Covid nos trazem severas preocupações da capacidade do nosso sistema de atender a todos. Por esta razão, pedindo a compreensão e a solidariedade, nós estaremos mudando o bandeiramento da região que está em vermelho (risco alto), para preto, para lockdown”, afirmou Barbalho. “Isto é necessário para salvar a vida da nossa população, para evitar a proliferação do vírus, e consequentemente, problemas graves que possam levar a óbito muitos paraenses.”
Nas últimas semanas houve um aumento progressivo de contágio e óbitos em Santarém. O último boletim, divulgado pela prefeitura no sábado (30), informa que há 14.031 casos confirmados no município. Um aumento de 10,6% apenas 30 dias. Em 1º de janeiro de 2021, havia 12.682 casos confirmados.
Os municípios que integram o Baixo Amazonas são: Alenquer, Almeirim, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Mojuí dos Campos, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Placas, Prainha, Santarém e Terra Santa. Conforme o Centro Regional da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) em boletim divulgado na sexta-feira (29), o número de óbitos provocados por Covid-19 no Baixo Amazonas e Tapajós chegou a 1.309. Desse total, 513 óbitos são em Santarém.
O prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), no mesmo dia (30), antecipou que será editado um novo decreto municipal que vai acompanhar o decreto estadual. “São medidas necessárias para salvar vidas e evitar que venha acontecer com a população de Santarém o que aconteceu com a população de Manaus e alguns municípios do estado do Amazonas. Precisamos da compreensão da população, sabemos que há muitos efeitos colaterais na atividade econômica, mas precisamos priorizar salvar vidas”, disse o Nélio Aguiar em ‘live’ em suas redes sociais.
Apesar da veemência em ‘salvar vidas’, as medidas necessárias para conter o colapso foram tomadas de forma tardia. O município paraense já entra em lockdown com seus leitos de UTI totalmente ocupados. Segundo Secretaria de Saúde de Santarém, a rede hospitalar do munícipio está superlotada e já há lista de espera de um paciente que aguarda internação. Atualmente, o município possui 44 leitos de UTI exclusivos para Covid-19 disponíveis. Desse total, 41 estão ocupados (93,18%), 32 com positivos e nove com suspeitos. Além disso, existem 104 leitos clínicos disponíveis exclusivamente para covid-19. Desse total, 101 estão ocupados (97,11%), 42 com positivos e 59 com suspeitos.
Lockdown não é unanimidade
Os cinco municípios do oeste paraense que ficam na divisa do Amazonas: Óbidos, Terra Santa, Juriti, Faro e Oriximiná protagonizaram os picos da crise da segunda onda da Covid-19 há exatamente duas semanas.Willian Fonseca (PRTB), prefeito de Oriximiná, município localizado no oeste do Pará, classificou a situação como “Operação de Guerra” para manter vivos os pacientes internados nessa segunda onda da Covid-19. Apesar disso, diz não irá acatar o lockdown e não implementará o decreto.
“Um lockdown agora é tarde, isso era para ser decretado há duas semanas, quando estávamos em nosso pico. Nós estamos adotando medidas de contenção há algum tempo, eu fui o primeiro prefeito do Baixo Amazonas a gritar a falta de oxigênio e conseguimos conter a crise. Eu não acho necessário, mas seguirei avaliando a situação de 12 em 12 horas”, enfatizou o prefeito Willian Fonseca.
Logo no inicio da segunda onda, para conter a crise em Oriximiná, com seus mais de 80 mil habitantes, além das compras de oxigênio emergenciais, o município fez a aquisição de uma usina de oxigênio em São José dos Pinhais (PR). A usina entrou em funcionamento no último dia 28 e diariamente já está produzindo em torno de 60 cilindros de oxigênio e poderá atender até 300 leitos, quando necessário. Nesse sentido, o município não contabilizou nenhuma morte por falta de oxigênio e agora, conta com apenas 10 internados em grave situação.
Já o município de Faro, também localizado no oeste do Pará, foi o primeiro a apresentar início de colapso com a segunda onda e vai aderir ao lockdown estadual. O município encontra-se mais próximo do Amazonas, aproximadamente 380 km, do que Belém, 920 km, e por isso dependia do estado vizinho, para fazer o abastecimento de insumos. O pico no pequeno município, com menos de 8 mil habitantes, variou entre 10 e 15 casos de janeiro. Foi nesse momento, que houve o colapso de 34 pessoas internadas no distrito de Maracanã e a falta de oxigênio passou a ser real entre os pacientes.
Zaynny Paulain, moradora de Faro, enterrou quatro pessoas em uma única semana vítimas de Covid-19. Ela pediu ajuda em sua rede social para que o oxigênio chegasse à cidade.
“Por favor, Deus faça com que chegue esse oxigênio, vidas estão em jogo….Já perdi duas pessoas, ainda tem meus pais, meus tios, familiares e amigos, pessoas que estão precisando. É uma filha aflita pedindo ajuda”, escreveu em sua postagem no dia 18 de janeiro em suas redes sociais. Poucas horas depois, já no dia 19, Zaynny publicou que seus pais não resistiram à falta de oxigênio. “Pai, mãe, vó e Biza (Bisavó). Um luto que eu jamais vou esquecer em toda minha vida.”
Com receio que outros casos como o da família de Zaynny aconteça, Tiago Azevedo, secretário municipal de Faro enfatizou que o município vai entrar também em lockdown. “Vamos aderir porque achamos importante e estamos no município de fronteira com Amazonas e vemos como uma forma de defesa para o município. Vamos proibir a entrada de pessoas no município como uma forma de nos ‘blindar’ e garantir uma menor proliferação.”, explicou Tiago Azevedo.
Em nota à Amazônia Real, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) informou que a estratégia estadual de enfrentamento à Covid-19, é a ampliação do número de leitos na rede pública. O Hospital de Campanha será reaberto em Santarém, e a previsão é de ampliação de 60 leitos clínicos. A unidade vai funcionar na creche Centro Municipal de Educação Infantil Paulo Freire.
A Amazônia Real questionou o governo do Estado sobre a data de inauguração do Hospital de Campanha, porém, até a publicação desta reportagem, não houve respostas.
Nova variante no Brasil
A Nota Técnica, elaborada pelo Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), aponta que neste mês de janeiro, a nova variante da covid-19, a P.1, agora identificada pelos cientistas como cepa do Brasil, foi encontrada em 91% dos genomas sequenciados no Amazonas, o que a torna hoje a mais prevalente no Estado.
Desde março de 2020, com o surgimento dos primeiros casos de Covid-19 no Amazonas, o monitoramento vem sendo feito pelo Laboratório de Virologia da Fiocruz Amazônia. Já foram encontrados 250 genomas, sendo 177 provenientes de Manaus e os outros 73 de 24 municípios do interior do Amazonas.
Apesar de o Amazonas liderar os óbitos por Covid-19 na região Norte, o nível de contágio e proliferação do coronavírus é maior no estado do Pará, como apontam os dados da Fiocruz. Considerando os boletins epidemiológicos mais recentes, até o momento o Amazonas tem 265 mil casos confirmados da Covid-19, enquanto o Pará acumula 328 mil casos, cerca de 23% a mais. Esse dado significa que há falhas na barreira de proliferação do vírus no Estado do Pará e a nova cepa pode se proliferar com mais facilidade na população.
Na nota, os pesquisadores destacam a importância da vacinação especialmente para os grupos de risco, mas alertam que estratégias de prevenção devem ser mantidas no Estado e em suas fronteiras, diante da ativa circulação viral.
Pesquisa de novas variantes no Oeste do Pará
O Laboratório de Biologia Molecular (Labimol) com o apoio da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e parceria do governo estadual, vai mapear cepas do do SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, na região do baixo do rio Amazonas paraense. O governador Barbalho anunciou um investimento de R$ 1 milhão no estudo.
O professor pesquisador Gabriel Iketani, responsável pela metodologia do mapeamento das cepas da Covid-19 no Labimol, explicou à agência Amazônia Real a importância do estudo. “Nos últimos meses novas variantes do vírus (é o que nós cientistas chamamos de cepas) foram identificadas, no Reino Unido, na África do Sul e aqui do lado no Amazonas. A cepa do Reino Unido tem se espalhado rapidamente por lá, o que sugere que ela é muito mais transmissível; o mesmo pode também ser verdade. Mas, são necessários estudos que verifiquem o quão frequente ela (cepa brasileira) é na população e a sua distribuição, principalmente, aqui no oeste do Pará, dada nossa proximidade de Manaus”, disse.
Iketani explica como será a metodologia da pesquisa. “Utilizaremos um sequenciador de nova geração de uma das maiores (talvez, a maior) empresa internacional deste tipo de equipamento, a Illumina. É um sequenciador novo que foi instalado no início de março de 2020. Desde a instalação, nós buscávamos meios para realizar o sequenciamento do SARS-COV-2 (vírus causador da Covid-19), mas apenas agora, com a parceria com o governo do Pará é que, enfim, conseguiremos adquirir os insumos para obter o máximo de genomas virais de diferentes pacientes em diferentes períodos e municípios da região”, explica.
Até dezembro de 2020, o Labimol funcionou no Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), também em Santarém, onde foram realizados 8 mil testes do tipo RT-PCR, em cerca de 20 municípios da região Oeste do Pará. A previsão é de que, nos próximos seis meses, o laboratório realize 25 mil testes RT-PCR.
Iketani estima que a taxa de isolamento social do Brasil nunca atingiu os 70% recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Hoje, pela minha última consulta, está menor que 40%. Esse baixo isolamento ajuda o vírus a se espalhar e com isso novas cepas podem acabar surgindo, que podem eventualmente se mostrarem mais transmissíveis”, avalia.
O pesquisador afirma que conhecer as cepas e correlacionar com dados epidemiológicos é uma ferramenta poderosa que vai ajudar gestores e médicos na tomada de decisões. E exemplifica: “Se comprovamos que uma cepa é mais transmissível e passarmos a detectar essa cepa em outros pacientes, um isolamento mais eficaz pode ser realizado, barreiras sanitárias podem ser colocadas e retiradas no tempo certo, lockdown pode ser evitado ou decretado no momento certo com base em informações precisas”.
Vacinação no Oeste do Pará
Na terça-feira (19) começou a vacinação contra a Covid-19 nas regiões do Baixo Amazonas e Tapajós e em Santarém, com um ato simbólico da imunização de Maria das Graças Guimarães Regis, de 70 anos, no Lar para Idosos de São Vicente de Paula.
Ao todo, 17.725 mil doses da vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantã SP), foram entregues na Região do Baixo Amazonas e Tapajós. Contudo, as doses são irrisórias conforme a proporção demográfica do oeste paraense, uma vez que a região abrange 29 municípios, num total que corresponde a 27% do território do Pará.
Apenas em Santarém há uma população superior a 290 mil pessoas, se todas as vacinas destinadas a essa primeira fase fossem encaminhadas para esse município, somente 5.9% da população seria imunizada. Portanto, a vacinação parece seguir o rumo de ‘ato simbólico’, apesar da crise que se instaura.
Em nível Federal, apesar da importância da uma vacina contra o novo coronavírus e a nova cepa brasileira, os programas de Assistência Farmacêutica e Vigilância em Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), de onde saem os custos para aquisição da vacina, tiveram aumentos insignificantes. Conforme Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do Executivo para 2021, somente de 4% a mais de recursos serão disponibilizados para vacinação, ignorando a necessidade da imunização em regiões remotas. O que se observa é que em 2021 o Governo Federal pretende manter sua gestão ‘negacionista’, e a pergunta que segue latente é: de onde sairá o recurso para a vacinação em massa?
(Fonte: Amazônia Real / Reportagem: Tainá Aragão e Vivianny Matos)