Nova onda da pandemia apavora comunidade do Catalão, no interior do Amazonas

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Manaus (AM) – Na comunidade do Catalão, não existem estradas, nem carros. Também não há lugar para calçadas ou meio-fio. A rua é o rio. As canoas são os “carros” que os moradores usam para se locomover entre casas e pequenos comércios. Ali, todas as moradias foram feitas para flutuar. No dia 31 de dezembro, a comunidade-flutuante do Catalão, localizada em Iranduba, recebeu uma grande quantidade de visitantes para reuniões e festas particulares de fim de ano. A alegria da virada passou, mas a tristeza da Covid-19 veio e ficou.

“No ano novo, houve muitas festas aqui. Pessoas vieram de Manaus. A gente já tinha dado alguns casos (de Covid-19), porque alguns trabalham em Manaus e outros trabalham com turismo. Mas essas festinhas vieram e trouxeram a destruição”, relata a líder comunitária Raimunda Ferreira Viana, de 58 anos. Ela lembra das aglomerações com desespero. “Poucas pessoas usavam máscaras. Por mais que estivessem usando, depois que começa a beber, já sabe como fica.”

Na casa de Edilson Alves Viana, de 46 anos, uma comemoração reuniu aproximadamente 50 pessoas. Foi uma dentre várias aglomerações em torno dos flutuantes. Primo de Raimunda, Edilson trabalhava com turismo e  acabou morrendo de Covid-19 no dia 11 de janeiro. Três dias antes, a doença havia levado o aposentado José Vatutim, 70 anos. Para a líder comunitária, o novo coronavírus já estava presente antes mesmo do réveillon, mas “essas festinhas só fizeram aumentar o problema”.

“No Catalão, muitas pessoas estão doentes. O pessoal da saúde veio uma vez aqui. Trouxeram médico para fazer teste, isso depois de muita pressão. Vieram uma vez logo depois que o rapaz (Edilson) morreu. Eu estava muito mal também. Eu tive Covid. As crianças também testaram positivo, mas graças a Deus estamos em fase de recuperação”, lembra Raimunda. Ela afirma que pressionou as autoridades de Iranduba, cidade a 35 quilômetros de Manaus, que testassem os moradores da comunidade. Porém, segundo a líder comunitária, só foram feitos testes em quem estava visivelmente doente. “Tenho certeza de que se eles tivessem feito exame na geral teria dado uns 99%.”

Construídas em cima de toras madeiras amazônicas, a principal é a açacu, as casas flutuantes do Catalão seguem o regime dos rios. Com isso, as moradias não precisam passar por qualquer reforma estrutural durante o período das cheias. É diferente das palafitas amazônicas, que precisam ganhar níveis diferentes de assoalhos quando as cheias são mais severas. Na época da seca, as casas ficam em terra firme.

A comunidade Lago do Catalão, município de Iranduba, está localizada na ilha de Xiborena, área de várzea na confluência dos Rios Negros e Solimões. Ela começou a se formar no fim da década de 1980. O início foi tímido, com poucas moradias. Mas não demorou para que a população crescesse e hoje, quatro décadas depois, o Catalão conta com 115 famílias e aproximadamente 350 moradores vivendo sobre as águas do rio. A comunidade-flutuante chamou atenção pela sua peculiaridade de ter sido erguida sobre as águas e se transformou em um famoso ponto turístico em Iranduba. Antes da pandemia, recebia uma média de 50 turistas por dia. 

Aposentado morreu em casa sem ser testado

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Casa flutuante localizada na Comunidade Lago do Catalão
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)

Apesar da vocação turística, a comunidade-flutuante padece com a falta de estrutura médica, como acontece em todo o interior do Amazonas. De acordo com Raimunda, são poucas as vezes que o Catalão recebe a visita dos profissionais de saúde, o que costuma acontecer só quando a população faz pressão junto à prefeitura. 

José Vatutim, morreu em casa e sequer conseguiu fazer o exame para identificar o novo coronavírus. “Ele morreu sentindo falta de ar, com os sintomas da doença. Para o meu primo (Edilson), trouxeram uma enfermeira para ver a situação dele, mas já não tinha mais jeito. Eu sei que a morte só quer uma desculpa, mas quem sabe teria sido diferente se tivesse um acompanhamento logo?”, indaga Raimunda.

Os moradores do Catalão, quando adoecem, precisam buscar atendimento na capital amazonense. “Nesse momento, em que estamos lutando contra a Covid, queríamos mais frequência da área de saúde. Que o governador olhasse mais, não só para os municípios, mas também para as comunidades. O povo esquece que tem o povo comunitário, os ribeirinhos. Então meu pedido é mais presença do pessoal saúde para cuidar da gente, para ver se a gente não perde mais vidas neste lugar”, diz a líder comunitária.

Famílias inteiras do Catalão foram contaminadas

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No Lago do Catalão, onde todas as casas flutuam, as pessoas s só circulam em barcos
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)

Herculano Borges, de 41 anos, é um sobrevivente da segunda onda da pandemia, que ganhou força nos últimos meses de 2020 e se prolonga até o momento. Morador do Catalão, Herculano trabalha na cooperativa Solinegro, que faz fretes e passeios turísticos para a região turística. Ele conta que ele, a mulher e os quatro filhos contraíram a doença. “Lá em casa todos pegamos, mas estamos bem, curados. (A Covid) Deu mais forte em mim. Teve duas noites em que pensei que não fosse escapar, mas graças a Deus eu consegui”, conta.

Sem assistência médica adequada, Herculano conta que precisou recorrer a remédios caseiros para se livrar do vírus. “Me tratei com remédio caseiro para não precisar ir para o hospital. Se a cidade (Manaus) já está ruim, imagina a situação para uma vila como a nossa? Tomei muito chá de alho com limão, pimenta-do-reino, mastruz com limão, jambu com capim santo, chá de boldo. Fiquei fraco. Fui para o ovo de galinha caipira e canela para poder me levantar. Tem que se cuidar, porque se for entubado é caixão e vela”, pontua. 

Os moradores do Catalão sofrem com a falta de assistência, mas também com o declínio das atividades econômicas. A explosão da segunda onda trouxe graves problemas financeiros para quem depende do turismo. “Estamos todos parados, sem trabalhar. Estamos nos virando para poder sustentar a família. Estou me virando pescando para não ver meus filhos passarem fome”, desabafa.

Durante a apuração desta reportagem, a Amazônia Real se deparou com uma situação preocupante. Na comunidade do Catalão, há quem não acredite na imunização. “Tem idosos que estão ansiosos para tomar a vacina. O meu esposo tem 74 anos e fala que não quer ser vacinado porque ele tem medo. Mas tem muita gente que quer. O dia que a vacina vier será bem-vindo”, diz Raimunda. Já Herculano afirma que não quer “ser cobaia” da vacina, seja ela a Coronavac ou a AstraZeneca, as duas disponíveis no País. “Muitos estão ansiosos para tomar. Eu acredito que minha vida só vai acabar quando Deus determinar. Quando ele determinar que acabou, acabou. Não adianta prece nem Ave Maria e nem chororô”, diz.

A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Saúde do município de Iranduba. Por meio de nota da Assessoria de Imprensa, a secretaria informou que “os atendimentos aos moradores do Lago do Catalão acontecem semanalmente pela equipe de estratégia de saúde da família”. E afirma que no dia 20 de janeiro foi realizada uma ação na comunidade com atendimentos médicos, enfermagem e teste rápido para a Covid-19. A ação teve como objetivo fazer a busca ativa de pacientes sintomáticos respiratórios”, diz a nota. A secretaria afirma que foram realizados 29 testes rápidos e 44 atendimentos médicos e entrega de medicação.

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Moradores do Catalão circulam em voadeiras
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)

(Fonte: Agência Amazônia Real)

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