Servidores trocaram doses de vacina contra Covid por ouro em garimpo Yanomami

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Comunidade na Terra Indígena Yanomami — Foto: Junior Hekurari Yanomami/Condisi-YY
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Comunidade na Terra Indígena Yanomami — Foto: Junior Hekurari Yanomami/Condisi-YY

Lideranças indígenas denunciam que ao menos 106 doses da Coronavac destinadas a Terra Yanomami foram vendidas a garimpeiros em troca de ouro por servidores da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde. A denúncia foi divulgada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY).

O ofício, assinado no último dia 15 por Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Condisi-YY, e ao qual o G1 teve acesso, menciona cinco servidores como responsáveis pelo esquema de vendas das vacinas na comunidade Komamassipi, na região do Parafuri. Lá, 45 garimpeiros foram vacinados pagando 15 gramas em cada dose. Já nas regiões do Parima foram 23 e em Homoxi 38 invasores imunizados, afirma a denúncia.

Este é o segundo caso de denúncia de troca de vacina por ouro. A primeira, também em Terra Yanomami, foi feita pela Associação Hutukara nas regiões de Humuxi e Uxiu.

Ao G1, Hekurari informou que os desvios ocorreram nos meses de março, abril e maio deste ano. Na época, o grama do ouro chegou a ser cotado a R$ 319,82 no Banco Central, o que representa uma movimentação equivalente a cerca de R$ 500 mil em troca das 106 doses que deveriam ser aplicadas nos Yanomami.

A vacinação dos indígenas começou em janeiro deste ano e, embora pertençam ao grupo prioritário, nem todos acima dos 18 anos foram vacinados. Em Parafuri, dos 496 moradores, 140 foram vacinados. Já em Homoxi, dos 254, foram 115 imunizados. No Parima, são 219 vacinados entre 688 yanomami, segundo o Condisi-YY.

“Alguns profissionais dos polos base Parafuri, Homoxi e Parima se beneficiaram com a troca de vacina por ouro. Ao todo, são 106 Yanomami não vacinados. As vacinas foram enviadas para os Yanomami e utilizadas em invasores da Terra Yanomami. São denúncias graves feitas pelo povo Yanomami. Segundo relatos dos indígenas, o Dsei sabia”, diz Hekurari.

Ainda não se sabe se as 106 vacinas foram repostas para serem aplicadas nos indígenas. Os cinco servidores, um enfermeiro e quatro técnicos de enfermagem, estavam na região a serviço do Distrito de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y), subordinado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e que, por sua vez, responde ao Ministério da Saúde.

A fiscalização das ações de saúde fica por conta do Condisi-YY, que é um órgão com autonomia e que fez a denúncia.

A suspeita sobre os desvios veio à tona em uma reportagem publicada em junho nos portais “Repórter Brasil” e “Amazônia Real”, que flagrou uma das servidoras tentando vender ouro em Boa Vista.

A partir daí, o Condisi-YY foi na comunidade onde ela atuava e confirmou a troca de vacina por ouro. Ainda segundo Hekurari, os indígenas afirmam ter flagrado a vacinação dos invasores durante o dia e à noite, tanto nos postos de saúde das três comunidades, quanto nos acampamentos do garimpo.

O número de vacinados foi contabilizado pelos próprios indígenas e confirmado por garimpeiros, conforme o presidente do Condisi-YY. Sobre o ouro, o minério recebido teria sido dividido entre os servidores envolvidos no esquema.

Isoladas no meio da floresta amazônica, as comunidades são de difícil acesso e ficam distantes cerca de 1h30 de avião saindo da capital Boa Vista. A comunicação é bastante limitada e feita somente por radiofonia, controlada por servidores da Sesai.

Durante visita às três comunidades, Hekurari afirmou ter ouvido dos próprios indígenas que eles não denunciaram antes o ocorrido porque eram impedidos pelos servidores de falar via rádio, único meio de comunicação na floresta.

“Os próprios funcionários controlam o rádio. Eles [indígenas] queriam falar com a gente e ninguém deixava falar. Por causa dessa denúncia [reportagem], eu fui lá e falei com os Yanomami. Eles disseram que os profissionais de saúde não os deixavam falar no rádio”, relatou Hekurari.

Dos cinco servidores citados como envolvidos no esquema, uma técnica de enfermagem chegou a ser vista pela reportagem dos portais “Repórter Brasil” e “Amazônia Real” perguntando em uma loja no Centro de Boa Vista se compravam ouro de garimpo.

Segundo o Condisi-YY, depois de vender as vacinas, ela deixou a região e retornou para a capital em um voo pago por garimpeiros. Procurada pelo G1, a técnica de enfermagem não atendeu as ligações e não respondeu as mensagens enviadas.

“(…) É inadmissível que, em meio à insistente piora nos índices de saúde das comunidades indígenas da Terra Yanomami, e em plena pandemia da Covid-19, o órgão responsável pelo atendimento da saúde indígena tenha seus recursos desviados para atendimento de não indígenas que atuam em garimpo ilegal”, critica o Conselho em trecho do ofício.

Degradação da Terra Yanomami

Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 27 mil indígenas vivem na região em mais de 360 comunidades.

A área é alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Mas, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.

Fonte: G1

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