Redação – O ex-presidente Jair Bolsonaro negou nesta sexta-feira (18) ter recebido dinheiro da venda do relógio Rolex presenteado pela Arábia Saudita. Também nesta sexta-feira, o advogado de Mauro Cid mudou de discurso. Agora, disse que o então ajudante de ordens de Bolsonaro só vendeu um relógio Rolex, e não um conjunto de joias.
Nas últimas 24 horas, esse caso ganhou versões contraditórias e um movimento importante do STF – Supremo Tribunal Federal nas investigações.
Alexandre de Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal e autorizou as quebras dos sigilos bancário e fiscal de Jair Bolsonaro, da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, do pai dele, o general da reserva Mauro César Lourena Cid, do advogado Frederick Wassef e do segundo tenente Osmar Crivelatti, também ex-ajudante de ordens – atualmente um dos auxiliares pessoais escolhidos por Bolsonaro na cota a que ele tem direito como ex-presidente.
A PF disse ter indícios de que o grupo estaria envolvidos na venda ilegal no exterior de joias recebidas como presentes oficiais de governos estrangeiros e na tentativa de recompra delas quando o esquema começou a ser revelado.
Entre as joias recompradas estão peças do chamado “kit ouro branco”: um anel, abotoaduras, um rosário islâmico e um relógio Rolex cravejado de diamantes, entregues a Bolsonaro em uma viagem oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019.
A Polícia Federal quer traçar o rastro do dinheiro arrecadado com as joias e usado para recomprar parte delas. A PF vai analisar movimentações de Bolsonaro e aliados de 2019, início do governo dele, até agora. A Receita Federal deve enviar os dados nas próximas semanas.
Moraes autorizou ainda um pedido de cooperação internacional aos Estados Unidos. Isso para ter acesso aos dados bancários internacionais de Jair Bolsonaro, Mauro Cid e do pai dele. A PF já prepara esse pedido oficial.
O avanço das investigações da PF provocou uma guerra de versões entre os envolvidos. Na quinta-feira (17), o advogado Cezar Bittencourt, que defende Mauro Cid, afirmou que o ex-ajudante de ordens decidiu confessar a participação dele no esquema de venda e recompra ilegal das joias, e que ele agiu cumprindo ordens diretas de Bolsonaro, e entregou a Bolsonaro o dinheiro obtido com a negociação dos presentes. As informações foram publicadas pelo site da revista “Veja” e confirmadas pelo advogado ao Jornal Nacional.
Nesta sexta-feira (18), em entrevista ao jornal “Estado de S.Paulo”, Jair Bolsonaro falou sobre a entrevista de quinta do advogado de Mauro Cid.
Jair Bolsonaro: “Eu li a matéria. Não achei nada de concreto contra mim ali. O tempo vai poder dizer”.
Pergunta: “E a decisão do ministro Alexandre de Moraes? O que que o senhor avalia? A decisão que determinou a quebra do sigilo do senhor?”
Bolsonaro: “Sem problema nenhum”.
Pergunta: “Não incomoda?”
Bolsonaro: “Lógico que tudo incomoda”.
Pergunta: Primeira-dama?”
Bolsonaro: “Tudo incomoda. Mas sem problema nenhum”.
Sobre as joias que aliados de Jair Bolsonaro venderam ou tentaram vender no exterior, o ex-presidente invocou uma portaria do antecessor dele, Michel Temer, que caracterizava os presentes de caráter personalíssimo que poderiam ficar no acervo privado do presidente. Mas o repórter do “Estado de S.Paulo” lembrou que essa portaria foi revogada na gestão do prórpio Bolsonaro, ainda em 2021. O ex-presidente então disse que preferia não entrar em detalhes quando foi questionado sobre o Rolex que recebeu em 2022.
Bolsonaro: “Classificou personalíssimo, entra no acervo da presidente, conforme a própria portaria de 2018, do presidente (Michel) Temer. Não é dele é do governo dele e ele fala que joias é personalíssimo”.
Pergunta: “A ‘Veja’ cita essa portaria essa portaria do Michel Temer e lá está descrito que essa portaria foi revogada”.
Bolsonaro: Foi revogada no final de 2021. Eu revoguei”.
Pergunta: “Em relação a isso, já não vale mais a portaria, em relação ao caso das joias…”
Bolsonaro: “Ela vale, pelo menos, até a data que ela vigeu. Agora, se eu tivesse má-fé, não teria… Eu estaria preocupado com essa portaria”.
Pergunta: “O caso, então, não se enquadraria no Rolex, por exemplo, da Arábia Saudita, mas…”.
Bolsonaro: “Eu não vou entrar em detalhe. Quando a portaria é revogada, no meu entender, tem uma vacância. O TCU, em 2016, fez uma… Como é que é? Eu não sei qual é o termo aí… No acórdão do TCU de 2016, fala numa… Provoca o Parlamento, se eu não me engano, provoca o Parlamento para que uma decisão legislativa seja tomada para botar um ponto final nessas questões. Você pode ver, o Lula sofre até hoje com isso. Todos os ex-presidentes apanharam no tocante a isso aí. Eu estou nesse bolo”.h
O repórter questionou Jair Bolsonaro a respeito da apuração da Polícia Federal sobre a possível entrega de US$ 25 mil diretamente ao ex-presidente em meio às tratativas de venda de joias nos Estados Unidos.
Repórter: “O ponto mais tenso é que na PF tem lá o diálogo do Cid dizendo, por exemplo, que um dos relógios foi vendido lá nos Estados Unidos, em Nova York, e seria dado US$ 25 mil para o senhor”.
Bolsonaro: “Eu não recebi nada”.
Repórter: “O senhor não recebeu nada?”
Bolsonaro: “Não”.
Na entrevista, Jair Bolsonaro afirmou que não mandou Mauro Cid vender nada, que Cid tinha autonomia e negou ter recebido valores pela recompra das joias.
Repórter: “O senhor mandou Mauro Cid vender as joias?”
Bolsonaro: “Olha, ele tem… Está na matéria da ‘Folha’, tem autonomia. Eu não mandei ninguém vender nada”.
Repórter: “Então, ele agiu por conta própria?”
Bolsonaro: “Joias é tido como personalíssimos, ou seja, pertence ao presidente”.
Repórter: “Até 2021”.
Bolsonaro: “Até 2021, agora, a partir de… Eu, deixo claro, foi no meu governo que teve uma portaria. Se eu tivesse intenção outras, não teria revogado, teria preocupação com essa portaria. Teve uma viagem, por exemplo aí, a imprensa falou muito do escalão nosso, 20, 25 pessoas receberam relógios daquele chefe, do chefe daquele país. A gente discutiu, devolve, não devolve, foi decidido que ficava com essas pessoas”.
Minutos depois, Bolsonaro voltou a falar o suposto caráter personalíssimo das joias. Ele disse que até o fim de 2021, quando revogou a portaria do governo Michel Temer, os presentes podiam ser considerados de caráter personalíssimo. O repórter insistiu sobre o Rolex presenteado em 2022.
Repórter: “Tem matérias que dão conta que ali, no ano de 2022, teria tido mais algum presente. Então, em 2022, seria irregular?”
Bolsonaro: “Até 2021 tudo certo? Tem quer responder se está certo, tá?”
Repórter: “O senhor está se amparando na…”
Bolsonaro: “Até 2021”.
Repórter: “Na portaria”.
Bolsonaro: “Você tem que ser basear no que está escrito”.
Repórter: “2022”.
Bolsonaro: “Até 2021, tudo certo?”
Repórter: “Vamos tratar de 2022”.
Bolsonaro: “A partir de 2022 não está definido o que é personalíssimo, não está definido, não quer dizer que seja ou não seja. O relógio, por exemplo, não está definido”.
Repórter: “Ai a avaliação fica para a Justiça”.
Bolsonaro: “Fica, fica no ar e em dúvida. Tem que beneficiar um lado, tá certo”.
Apesar de o presidente fazer referência a uma norma de 2021, desde 2016 o entendimento do Tribunal de Contas da União é de que apenas itens de baixo valor ou com prazo de validade – como bonés, camisetas e alimentos – podem ser incorporados ao patrimônio privado dos presidentes. O TCU entende que presentes oficiais de alto valor, como joias, devem ser registrados no acervo da Presidência como de interesse público e incorporados ao Patrimônio Cultural Brasileiro.
Na mesma entrevista, Jair Bolsonaro também confirmou que recebeu o hacker Walter Delgatti no Palácio da Alvorada. Afirmou que encaminhou o hacker para a Comissão de Transparência Eleitoral, que tinha representante do Ministério da Defesa, para que o hacker colaborasse com o Tribunal Superior Eleitoral. Mas, logo em seguida, Bolsonaro tentou desqualificar totalmente Delgatti, afirmando que se trata de um estelionatário.
Bolsonaro: “Recebi o Delgatti e não nego. A Carla Zambelli levou ele lá. O quê que a gente procurava naquela época? Era a certeza que o sistema é seguro. Tanto é que encaminhei para a Comissão de Transparência Eleitoral, que foi uma comissão que foi criada com uma portaria do ministro Barroso e era para, exatamente, colaborar com o TSE para que a eleição fosse a mais segura possível. E, pelo que eu sei, ele ficou lá talvez 15, 20 minutos. E pelo que eu sei, não foi recebido pelo ministro de Defesa, mas foi recebido por alguém dessa Comissão de Transparência Eleitoral e foi liberado. E pelo que eu sei, pelo que eu sei, ele nunca mais voltou lá”.
Repórter: “O senhor faria uma acareação com ele?”
Bolsonaro: “Para quê fazer acareação?”
Repórter: “No depoimento dele teve partes que o Wajngarten disse que foram mentira”.
Bolsonaro: “Vai com calma aí… Ali foi mostrado a vida pregressa dele. Estelionatário contumaz, está certo? Acareação tem que ser em pontos sensíveis, né? São pontos sensíveis né. É a palavra dele, só a palavra dele e mais nada. Você pode ver, ele está preso. Pelo que eu vi na imprensa, não quer delação premiada, ele quer entrar no programa de proteção à testemunha. Quem está preso não tem programa de proteção à testemunha”.
Quase ao mesmo tempo em que essa entrevista com Jair Bolsonaro foi publicada, o advogado de Mauro Cid voltou a falar à GloboNews sobre o caso. Cezar Bittencourt disse que a reportagem publicada pela revista “Veja” no dia anterior foi equivocada e que ele se referiu apenas à venda de uma joia: o relógio Rolex – e não a todas as joias. E voltou a afirmar que Mauro Cid agiu cumprindo ordens de Bolsonaro e que o dinheiro da venda do relógio foi entregue à família Bolsonaro.
“Eu falei só do relógio, que é uma joia. Eu gosto de Rolex também, quem não gosta? Como não deu o que se pretendeu inicialmente, daí o chefe dele: ‘Resolve esse problema do Rolex.’ Cid foi resolver, pegou o Rolex, tentou vender. Vendeu. Transportou parte do dinheiro, teve que transportar para a conta do pai que não tem nada a ver com o assunto, e veio, chegou aqui em Brasília. Não ia ficar com isso porque não é dele. Vai transferir para quem de direito. É isso, mais ou menos isso. Por isso é diferente do publicado na ‘Veja’”, disse o advogado Cezar Bittencourt.
Andréia Sadi: “Ele voltou e entregou o dinheiro a quem de direito, que era o chefe. O senho está confirmado que o dinheiro do Rolex foi para o Bolsonaro, certo?”
Cezar Bittencourt: “Para o Bolsonaro ou para a primeira-dama. Não sei se foi entregue, para quem de direito. Para eles, né?”
Andréia Sadi: “E o Cid que fez essa entrega?”
Cezar Bittencourt: “Não tinha outra forma de fazer as coisas. Se eu executo a venda para alguém, para o meu chefe, alguma coisa que lhe pertence, eu tenho que prestar contas. Eu chego e: ‘Olha, o resultado está aqui’. Foi isso que aconteceu. Eu não vejo também que o Cid esteja dedurando o Bolsonaro”.
Andréia Sadi: “Mas só para entender. Cid entregou esse dinheiro em mãos para Bolsonaro ou primeira-dama? É isso que o senhor está dizendo?”
Cezar Bittencourt: “Se foi em mãos, se foi na caixinha de correio, se foi na caixinha em cima da mesa dele, da primeira-dama… Entregou para eles”.
Andréia Sadi: “Em espécie, né?”
Cezar Bittencourt: “Em espécie”.
A revista “Veja” publicou os áudios da entrevista com o advogado para comprovar que ele se referiu a mais de uma joia.
Cezar Bittencourt: “O Cid não nega os fatos, ele assume que foi pegar as joias. ‘Resolve esse problema’. Ele foi resolver. ‘Vende a joia’. Ele vende a joia”.
Repórter: “Quando o senhor fala ‘resolve isso’, ‘vende as joias’, é ordem do Bolsonaro?”
Cezar Bittencourt: “É”.
Com informações do g1