Com mercado estagnado, indígenas da Amazônia movimentam comércio com Economia Solidária

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Setor movimenta ao ano cerca de R$ 12 bilhões no Brasil. (Arlesson Sicsu/Revista Cenarium)

Manaus – A economia solidária desenvolvida por indígenas da etnia Sateré Mawe contribui, significativamente, para a economia brasileira. Segundo dados da Agência Institucional do Cooperativismo, o setor movimenta anualmente cerca de R$ 12 bilhões.

E com a pandemia do novo Coronavírus, que desnudou o mundo capitalista, o isolamento social fez recriar uma nova forma do dinheiro circular. Durante esses 90 dias em casa, as pessoas tiveram de se reinventar. E, o maior desafio do “novo normal” é resolver as desigualdades sociais e econômicas.

Para o cientista social catarinense e autor do livro Religião, Política e Poder, José Souza, as políticas econômicas colocadas em curso no mundo durante as últimas duas décadas, produziram um cenário sem igual de concentração de riquezas.

Segundo o cientista social, no Brasil, as ditas reformas econômicas colocadas em curso, desde 2016, não produziram o efeito prometido. Pelo contrário, o desemprego cresceu, a concentração de riquezas, que já vinha em ascensão, explodiu e a pobreza voltou a cena nacional.

A diminuição dos postos de trabalho que já era latente nos últimos anos se intensificou com a pandemia de Covid-19 e a geração de empregos, escassos para trabalhadores jovens ficou ainda mais desafiadora para os mais experientes. De acordo com dados da Agenda Institucional do Cooperativismo atualmente o Brasil possui mais de 6 mil cooperativas que geram mais de 300 mil empregos formais.

Tramita no Congresso Nacional um projeto para criar o Sistema Nacional da Economia Solidária. Com a aprovação dessa lei as cooperativas terão menos burocracia e mais acesso a linha de crédito para desenvolver esses empreendimentos.

Pilares do cooperativismo

Solidariedade, igualdade e auto-gestão são os pilares da economia em geral no pós-pandemia, estratégias já seguidas pela economia solidária. Neste setor, trabalhadores e colaboradores em geral dividem suas tarefas em benefício do conjunto.

Em Manaus, a economia solidária gira em torno das cooperativas ou dos empreendedores individuais. Segundo dados do Sebrae Amazonas, o setor movimentou, em 2019, cerca de R$ 3 milhões em todo o Estado. O número de artesãos, segundo informações da Entidade, no Amazonas, é de 3.784, sendo 1.384, só em Manaus.

A analista sênior do Sebrae Amazonas, Lilian Simões, destaca que o artesanato representa uma função econômica elevada para o Estado do Amazonas, além de ter uma grande importância na qualidade de vida das famílias envolvidas. Segundo a analista, o segmento promove algumas comunidades e contribui no desenvolvimento local.

“O Sebrae por meio do projeto, Promoção da Competitividade do Artesanato e Moda, tem tratado o  artesanato como uma ‘visão de negócios’, porém os artesãos precisam integralizar alguns investimentos, para sua consolidação no mercado. Pois alguns problemas enfrentados por eles são causados pela falta de organização da cadeia produtiva e pela falta de gestão, que envolve desde capital de giro, gestão, matéria prima e inovação”.

Outro ponto importante, salienta Lilian Simões, é que todo sistema de mercado precisa ser estruturado de forma correta, caso contrário o artesão sofrerá o impacto quando ele não consegue permanecer no mercado ou não corresponder ao que o mercado busca. Sendo assim, os negócios recuam e as vendas de produtos ficam comprometidas. Na pandemia os artesãos sofreram esse impacto, alerta a analista.

“Ao perceber que a  falta de gestão financeira e planejamento mercadológico fez cair significativamente as receitas dos artesãos, principalmente como no uso das redes sociais para fomentar as vendas, já que muitos não sabem manuseá-las, o Sebrae fez um trabalho intenso de consultorias e Lives de capacitação para auxiliar os artesãos com essa organização. Além, de padronização a comunicação visual, conteúdo, fotografia, trabalhar as práticas de negócios participando de feiras digitais. Outros artesãos tiveram que adaptar sua produção para ter o seu sustento diário e a oportunidade estava na produção de máscaras”.

Lilian Simões revelou ainda que o Sebrae vem buscando parcerias como a já existente com a rede ASTA, que está fazendo um mapeamento dos artesãos que fabricam máscaras caseiras para comprá-las e distribuí-las gratuitamente. Desta forma, os pequenos empreendedores além de não ficarem parados, geram receita.

Para finalizar, a analista ressalta que o Sebrae também pode ajudar os pequenos empreendedores na questão do capital de giro, promovendo uma aproximação entre os eles e as instituições financeiras. No entanto, afirma Lilian Simões, não é compromisso da Entidade financiar a produção dos empreendedores.

Geração de renda na pandemia 

Seguindo o leme do barco como nova forma de fomentação de renda, está a Vanessa Alves, 35 anos, que antes do isolamento social obrigatório por causa da pandemia, deixou de lado a confecção e a venda de bonecas de pano, cuja renda mensal era de R$ 400,  para aderir a produção de máscaras de tecido e poder sobreviver ao naufrágio da Covid-19.

A empreendedora buscou capacitação no Sebrae e também aguarda o resultado final da seleção para participar do projeto da rede ASTA em parceria com a Entidade chamado ‘Máscara mais Renda’, cujo objetivo é produzir junto com outras costureiras em todo o Brasil mais de 1,5 milhão de máscaras, que serão doadas para pessoas em vulnerabilidade.

Após a adesão desse novo desafio, a receita da artesã subiu para R$ 700 por mês. E assim como outros pequenos empreendedores, ela teve de se familiarizar e se adequar a vitrine das redes sociais para divulgar e vender seus produtos.

Para o pós-pandemia, adianta Vanessa, é voltar a vender suas criações. A inovação está por conta de uma boneca 3 em 1, batizada de “sinhazinha”, que de um lado é uma boneca e do outro, se transforma em pajé e no cocar do pajé, ela trás o boi que vem nas versões Caprichoso e Garantido, para agradar os fãs ensandecidos desses personagens idolatrados do folclore amazonense.

“Essa boneca foi criada no curso de tendências criativas, promovido pelo Sebrae e já está disponível na minha página do Instagram. Quem estiver interessado é só ir a minha rede social e entrar em contato”, adianta a artesã.

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Os fãs dos bumbás Caprichoso e Garantido, idolatrados no folclores amazonense, não esperaram por essa novidade. (Divulgação/Vanessa Alves Criativa)

A Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (AMISM), é o exemplo de que a união faz a força, principalmente neste período de isolamento social. Localizada na Zona Oeste de Manaus, a Associação ampliou o trabalho, antes realizado apenas com o artesanato de biojóias, para a confecção de máscaras de tecido simples ou customizadas com grafismo da cultura indígena, que auxiliam na contenção de proliferação do novo Coronavírus. Além, de fomentar renda para as mais de sete famílias que trabalham na cooperativa.

De acordo com a secretária executiva da Associação, Sâmela Sateré Mawé, 23 anos, com o fechamento do comércio, em decorrência da pandemia do novo Coronavírus, a cooperativa perdeu o espaço de comercialização dos produtos produzidos pelas artesãs. A loja, cedida pela Fundação Estadual do Índio (FEI), servia a única fonte de renda das famílias indígenas.

Sem recursos para o sustento das famílias durante o isolamento social, Sâmela teve a ideia de postar nas redes sociais da Associação fotos dos produtos produzidos pela cooperativa, como brincos, pulseiras, colares entre outros. A iniciativa deu tão certo que trouxe um investidor estrangeiro e doações para a criação de confecção de máscaras caseiras.

“Ficamos surpresos com o retorno das redes sociais. Entre os inúmeros comentários, um grupo de artistas do Reino Unido chamado Artists Project Earth (APE), entrou em contato conosco e nos incentivou a criar uma forma gerar renda e ao mesmo tempo proteção, neste período de isolamento por conta da Covid-19. No início ficamos receosos, mas aceitamos o desafio. Além da doação de duas máquinas de costura e material para iniciar a confecção das máscaras, o grupo britânico comprou ao equivalente a venda um mês do nosso artesanato. Essa renda ajudou bastante nossas famílias”, relembra Sâmela.

Sâmela enfatizou ainda que a iniciativa se tornou o principal subsídio da cooperativa. A produção, iniciada em meados de março, já confeccionou mais de seis máscaras e rendeu frutos. Entre os clientes, que realizaram pedidos de máscaras da Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé, estão a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o Instituto Socioambiental (ISA), a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), entre clientes de todo o Brasil.

A presidente da Associação, Sônia da Silva, 47 anos, destaca que a iniciativa deu tão certo que atualmente, a cooperativa lançou a linha de máscaras personalizadas com grafismo da cultura indígena pintadas a mão. E alerta que os produtos atendem as orientações do Ministério da Saúde no que diz respeito à proteção para a propagação do novo Coronavírus.

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Máscaras em tecido pintadas a mão com grafismos da cultura indígena. (Divulgação/AMISM)

Segundo Sônia, a receita gerada com a confecção das máscaras gira em torno de R$ 5 mil por mês e ajuda no sustento das famílias envolvidas no projeto.

Sem contar, de acordo com a presidente da Associação, com a confecção das máscaras produzidas para doação e as enviadas para os parentes dos indígenas na aldeia Andirá Marau, localizada no baixo Amazonas.

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as peças em cerâmia do ateliê Divino Presente são pintadas a mão e já conquistaram clientes fora do Amazonas. (Divulgação/ateliê Divino presente)

Já a artesã Regina Medeiros, de 46 anos, do Ateliê Divino Presente, que trabalha com artesanato há 10 anos, se viu obrigada a fechar as portas do seu pequeno ateliê, em Manaus, quando a pandemia do novo Coronavírus chegou no Brasil. Para sobreviver, a artesã teve de se reinventar e recorrer às redes sociais para não ficar para trás, vender seus produtos e fomentar renda.

“Devido a pandemia, tive de fechar as portas do meu ateliê, onde eu recebia os clientes e participava de feiras. Antes do fechamento do comércio, minha renda girava em torno de hum mil reais por mês, agora, caiu drasticamente. Para não ficar parada tive de aprender a vender pela internet, ou seja, uma realidade totalmente nova para mim, pois o comércio eletrônico é novo para muitos artesãos, acostumados a lidar diretamente com o cliente. O apoio do Sebrae com a capacitação digital foi fundamental para o incremento do meu negócio, principalmente na divulgação e na venda dos produtos”.

A artesã, que trabalha com pintura em cerâmica, massa fria, pintura em madeira e reaproveitamento de vidros, revela ainda que aos poucos a clientela, acostumada a comprar no ateliê, vai se adaptando a essa nova realidade e que novos clientes vão aderindo a esse processo.

“Graças a esse modelo de vendas pelas redes sociais, já tenho clientes fora do Amazonas e também começamos a explorar o universo das exportações, apesar da taxação dos envios ser muito cara. Mas, é um universo que está se abrindo para nós. Estamos tendo não só que nos reinventarmos, enquanto profissionais, mas também, descobrindo um mercado novo de trabalho”, finaliza.

Pedidos e doações

Vanessa Alves – @vanessaalvescriativa – (92) 99227-7998

A AMISM é uma organização sem fins lucrativos que vive da confecção e venda de artesanato. As mulheres também pedem por colaborações além dos pedidos, seja com ajuda financeira ou com a doação de material para continuar com a confecção de máscaras, como tecido tricoline, tnt, linha, agulhas, bobinas para máquina de costura, elástico, tesouras, etc.

A sede da Associação funciona na rua São Marçal, 822, no bairro Compensa 2, zona Oeste de Manaus. Encomendas, doações e mais informações, podem ser feitas no whatsapp (92) 98159-2712.

Regina Medeiros – @ac.divinopresente – (92) 99298-7681

 

Fonte: Luciana Bezerra – Revista Cenarium

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